Ladrões de terra intensificam desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim

Mongabay - http://news.mongabay.com/ - 07/08/2019
Ladrões de terra intensificam desmatamento na Floresta Nacional do Jamanxim

O desmatamento parece estar aumentando dramaticamente no Brasil, com dados de satélite mostrando que a região amazônica do país perdeu mais florestas em maio do que em qualquer outro mês na última década.
A Floresta Nacional de Jamanxim, no estado do Pará, foi particularmente atingida, perdendo mais de 3% de sua cobertura florestal em maio. Outra onda de desmatamento foi detectada durante a última semana de junho.
Os moradores dizem que a pressão enfrentada pelo Jamanxim vem de pessoas de fora que querem lucrar com o corte de árvores e depois vender a terra recém-desmatada para os pecuaristas.
Muitos dos que vivem em áreas protegidas acreditam que o clima político do governo do presidente Jair Bolsonaro está incentivando as invasões de madeireiros nas áreas protegidas do Brasil.

O desmatamento na Amazônia brasileira começou a aumentar muito rapidamente, com 73.900 hectares de floresta derrubada no mês de maio deste ano. Este é sempre um mês em que o desmatamento aumenta, porque marca o final da estação chuvosa em grande parte da Amazônia, mas o aumento deste ano é de 34% em comparação a maio de 2018, quando 55.000 hectares foram desmatados. De acordo com o DETER (Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real), que compilou os dados, é o maior percentual de um único mês em mais de uma década.

Os dados do DETER para o desmatamento acumulado no final de agosto de 2018 até o final de maio de 2019, comparado com o mesmo período de 2017/2018, mostra um aumento muito mais modesto: de 348.700 hectares para 365.470 hectares, um aumento de 4,8%. Os dados de maio de 2019 corroboram as evidências de que os ladrões de terra se tornaram muito mais agressivos este ano.

"Se essa curva ascendente continuar, poderemos ter um ano ruim para a Floresta Amazônica", afirma Claudio Almeida, chefe do monitoramento por satélite do INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que dirige o DETER, à Reuters. "Depende de quanto monitoramento haverá nos próximos dois meses críticos", acrescentou. No entanto, com o atual estado de paralisia dentro das principais agências ambientais do país, parece improvável que as autoridades fecharão o cerco contra os desmatadores ilegais nos próximos meses.

O DETER recomenda cautela no uso de seus dados porque sua tecnologia de imagens por satélite não consegue penetrar em nuvens espessas e, portanto, podem ser imprecisos. Os números anuais oficiais sobre a quantidade de floresta derrubada na Amazônia são calculados com o uso de metodologia diferente, conhecida como PRODES, e são publicados no final de julho, também pelo INPE.

No entanto, os dados do DETER são amplamente considerados como indicadores confiáveis de tendências, e o sistema atualmente detecta altos níveis de desmatamento em áreas protegidas - florestas nacionais, parques nacionais e áreas indígenas. Mesmo que sob as leis brasileiras estas áreas sejam claramente sinalizadas como proibidas, desmatadores, grileiros e madeireiros se instalem cada vez mais nelas: de acordo com dados do Imazon, Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, organização sem fins lucrativos que promove a sustentabilidade na Amazônia, o desmatamento em áreas protegidas aumentou de 7% de desmatamento total em 2008 para 13% em 2017.

Muitos dos que vivem em áreas protegidas acreditam que o clima político sob a administração do presidente Jair Bolsonaro está incentivando as invasões de madeireiros em áreas protegidas.

"Toda essa conversa hostil do novo governo sobre os povos indígenas está estimulando as invasões", disse Awapu Uru-Eu-Wau-Wau, líder do povo Uru-Eu-Wau-Wau, à ONG Instituto Socioambiental (ISA). O período crítico para esse povo, que vive em Rondônia, no oeste da Amazônia brasileira, começa em abril, quando o final da estação chuvosa fornece uma janela seca para os invasores, e continua até outubro, quando as chuvas começam a cair novamente. Segundo a Associação Kanindé, uma organização sem fins lucrativos que monitora o desmatamento na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, cerca de 180 forasteiros invadiram ilegalmente a reserva em abril. Ivaneide Bandeira, coordenadora da Kanindé, diz que o anúncio de Bolsonaro de que ele estaria redesenhando as fronteiras de algumas reservas indígenas incentivou as invasões ilegais.

Os dados do DETER mostram que as áreas protegidas sob maior pressão estão no estado do Pará, no leste da Bacia Amazônica, onde a fronteira econômica está avançando rapidamente e os preços da terra estão subindo rapidamente. Das 10 áreas protegidas da Amazônia com os maiores níveis de desmatamento, oito estão localizadas no Pará. A área mais fortemente espoliada é a Floresta Nacional de Jamanxim, onde 44.800 hectares de floresta foram derrubados ilegalmente somente no mês de maio.

Em outras palavras, a Jamanxim perdeu mais de 3% de sua cobertura florestal em apenas um mês. Consideravelmente menos danos ocorreram na outra área protegida mais ameaçada - a Área de Proteção Ambiental do Tapajós - que, proporcionalmente, teve menos de um quarto da taxa de desmatamento da Jamanxim em maio.

Enquanto a perda florestal diminuiu um pouco em Jamanxim em junho, dados de satélite coletados pela Universidade de Maryland registraram cerca de 22.000 alertas de desmatamento. A maioria desse desmatamento ocorreu na última semana do mês, indicando que outro aumento na limpeza da floresta pode estar previsto para julho.

A Floresta Nacional de Jamanxim é um exemplo dramático do que pode acontecer a uma área protegida quando ela é privada de policiamento efetivo, que é a situação que Claudio Almeida, do INPE, estava descrevendo. A Floresta Nacional de Jamanxim foi criada em fevereiro de 2006 como parte de um pacote de medidas para evitar o desmatamento ao longo da BR-163, uma rodovia de 1.765 quilômetros que liga Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, ao porto de Santarém no rio Amazonas. Os produtores de soja do Mato Grosso, que acabou de se tornar o principal estado produtor de soja do Brasil, estavam pressionando para que a estrada fosse asfaltada para que eles pudessem exportar a soja ao longo do rio Amazonas em vez de mandá-la para os portos do sul do país, o que incorre em pesados custos de transporte.

O governo concordou com a demanda dos agricultores e, para acalmar os ambientalistas que estavam preocupados que a estrada levaria a altos níveis de desmatamento, lançou, com considerável alarde, o Plano BR-163 Sustentável, que, segundo o governo, demonstraria de uma vez por todas que a pavimentação de estradas e a proteção florestal são duas ações compatíveis.

Mas esse plano logo foi suplantado pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado em 2007, que, com ainda mais publicidade e recursos muito maiores, promoveu investimentos em infraestrutura, com pouca menção à proteção ambiental.

Juan Doblas, que na época estava monitorando o desmatamento regional para o ISA, declarou: "Dez anos [depois que a BR-163 Sustentável foi anunciada], os níveis de desmatamento foram tão ruins quanto em nossas piores projeções... A perda de florestas era tão fora de controle que para cada ano entre 2004 e 2013 - exceto 2005 - enquanto o desmatamento na Amazônia como um todo caiu, aumentou na região ao redor da BR-163."

Uma das áreas mais invadidas foi a Floresta Nacional de Jamanxim, que cobre 1,3 milhão de hectares. No papel, a área goza de proteção rigorosa; somente o desmatamento em pequena escala, realizado por comunidades tradicionais e pesquisadores, é permitido. Embora funcionários do órgão ambiental, o IBAMA, tentassem prender invasores, eles não tinham recursos para fazer o trabalho corretamente. Grileiros continuaram a entrar, às vezes ameaçando funcionários do IBAMA, e começaram a pressionar os deputados federais para que eles apresentassem um projeto de lei ao Congresso, a fim de retirar o status de proteção de uma grande parte da floresta nacional e a reclassificasse para que sua ocupação pudesse se tornar legal. Em 2009, eles pediram que 305.000 hectares da Floresta Nacional fossem transformados em uma área de proteção ambiental (APA), uma forma muito menos restritiva de unidade de conservação, em que a pecuária e a mineração são permitidos.

Um dos principais lobistas da reclassificação foi Ubiraci da Silva, conhecido como Macarrão, o prefeito de Novo Progresso, cidade fronteiriça da BR-163, no estado do Pará. Fundada em 1991, a cidade surgiu em torno de uma faixa de terra clandestina, construída para promover uma rápida entrada e saída de pessoas envolvidas na extração ilegal de madeira e na mineração de ouro.

Durante a colheita da soja, caminhão atrás de caminhão passam pela cidade, deixando massas de poeira quente. Macarrão diz que a cidade precisa explorar os recursos de Jamanxim para sobreviver.

"Estamos nos tornando nada mais do que um corredor de transporte", queixou-se ao jornal Folha de S. Paulo. "Estamos cercados, por um lado, por uma reserva indígena e é apenas do outro lado, perto da Floresta Nacional de Jamanxim, que podemos produzir. Se o governo não ceder à nossa demanda [para reduzir o tamanho da Floresta Nacional], nossa cidade morrerá".

Alguns dos principais empresários e políticos de Novo Progresso se beneficiariam pessoalmente da criação da APA. O Imazon investigou e descobriu que 71 mil hectares dos 305.000 hectares da floresta tinham sido ocupados ilegalmente, a maior parte depois que a área foi transformada em Floresta Nacional. O IBAMA emitiu 334 multas por desmatamento ilegal. Tanto Macarrão quanto Ezequiel Antonio Castanha, dono de um grande supermercado em Novo Progresso, e considerado pelo Ministério Público Federal (MPF) como um dos maiores grileiros da Amazônia, foram multados, embora pareça que as multas nunca foram pagas. Em 2014, o IBAMA, a Polícia Federal e o MPF lançaram a Operação Castanheira (batizada com o nome de Castanha), uma tentativa ambiciosa, mas infrutífera, de acabar com a gangue de grilagem de terras. Castanha foi preso, mas depois libertado.

Os ladrões de terra não estão pegando terra para eles próprios a cultivarem, mas perceberam que, desmatando-a e vendendo-a, eles podem ganhar uma grande quantia de dinheiro. Um morador, que preferiu falar sem ser identificado, explicou à Mongabay como o processo funciona:

"O roubo de terras faz parte do processo de ocupação da região em torno de Novo Progresso. O que é roubo de terra? É uma maneira fácil de ganhar dinheiro. O grileiro toma conta de uma área de floresta, geralmente floresta que vale muito pouco e a desmata. Ele não quer ele mesmo cultivar a terra, mas sim vendê-la. Ele desmata a terra a um custo muito baixo, usa mão de obra mal paga, planta pasto e depois vende a terra para um fazendeiro que realmente quer cultivar a terra. Esse processo já dura uma década ou mais. E a terra aumenta em valor a um valor absurdo. A floresta em pé é quase inútil. Uma vez limpa a vegetação, ela aumenta em valor 100 ou 200 vezes".

No final de 2016, depois de intenso lobby, a administração do então presidente Michel Temer deu lugar às exigências dos ladrões de terra. Temer enviou um projeto de lei, a MP 756, ao Congresso para reduzir o tamanho da Floresta Nacional de Jamanxim. Ambientalistas protestaram veementemente e o governo retirou o projeto. Mas Heron Martins, pesquisador do Imazon, acredita que as disputas só encorajaram mais invasões ilegais.

"Toda vez que o governo apresenta um projeto de lei ou emite um sinal de que é favorável a uma redução [no tamanho da floresta], as expectativas aumentam e o número de ocupações ilegais cresce [mesmo que a iniciativa seja abandonada], afirma Heron.

Em abril de 2018, o Supremo Tribunal Federal, a última instância da justiça brasileira, decidiu em unanimidade que era inconstitucional reduzir o tamanho das áreas protegidas por meio de medida provisória. Mas a decisão teve pouco impacto na prática, com grileiros confiantes de que, no fim, a exploração da floresta será legalizada. As invasões estão se acelerando, como indicam os dados recentes.

O que está acontecendo na Floresta Nacional de Jamanxim pode ser particularmente chocante, mas não é um caso isolado. No dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, a Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG), que reúne pesquisadores de seis países amazônicos, publicou uma série de mapas mostrando que pelo menos 69% das áreas protegidas da região, incluindo reservas indígenas, estão sob algum tipo de pressão. Seus mapas abrangem os oito países da Panamazônia, e podem ser encontrados em uma plataforma multimídia intitulada Amazônia na Encruzilhada. A conclusão da rede: que a região amazônica está sob pressão como nunca antes.

Nota do editor: Esta história foi desenvolvida pela Places to Watch, uma iniciativa da Global Forest Watch (GFW) projetada para identificar rapidamente a perda de florestas em todo o mundo e catalisar uma investigação adicional dessas áreas. A Places to Watch reune uma combinação de dados de satélite em tempo quase real, algoritmos automatizados e inteligência de campo para identificar novas áreas em uma periodicidade mensal. Em parceria com a Mongabay, a GFW está apoiando o jornalismo orientado por dados, fornecendo dados e mapas gerados pelo Places to Watch. A Mongabay mantém total independência editorial sobre as matérias feitas com o uso desses dados.

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