Redes de turismo indígenas se destacam no Brasil com foco em potencialidades, diversidade e saber tradicional

Um Só Planeta - https://umsoplaneta.globo.com/sociedade/noticia/2022/10/28/ - 28/10/2022
Redes de turismo indígenas se destacam no Brasil com foco em potencialidades, diversidade e saber tradicional
Propostas pensadas pelas comunidades incluem roteiros voltados à história de origem dos povos, turismo de observação de aves, imersão na floresta em trilhas e canoadas pelos igapós

Por Guilherme Justino, do Um Só Planeta
28/10/2022 07h00



A diversidade cultural e o conhecimento dos povos indígenas podem trazer experiências inovadoras e novas oportunidades de negócios para destinos turísticos já estabelecidos e também comunidades locais, além de ajudá-las a se fortalecer e transmitir saberes sobre a convivência harmoniosa entre homem e natureza, assim como a importância da proteção das florestas.

Trilhas "fora do comum" antes reservadas para especialistas, por exemplo, agora têm se tornado caminhos utilizados por milhões de turistas em busca de experiências "autênticas". Se feito de maneira a respeitar esses povos, isso pode ser positivo, ajudando na revitalização cultural e agindo como força de empoderamento. Por outro lado, existe também a preocupação de que se pode ver povos muitas vezes já marginalizados e suas aldeias tornando-se meras vitrines para turistas, com sua cultura reduzida a souvenirs e seu ambiente fadado a apenas ser fotografado, sem que haja um engajamento real.

O turismo indígena geralmente consiste em pacotes turísticos variados, seja para turistas individuais ou para grupos, e está crescente em lugares como Quênia, Tanzânia, Índia, Honduras, Etiópia, Equador e Austrália - além do Brasil. Para que a experiência, mais do que apenas um passatempo para ser compartilhado nas redes sociais, seja também uma vivência transformadora, especialistas apontam que um indicador-chave para saber se uma oportunidade é benéfica ou não está no grau e na natureza do envolvimento dos próprios povos indígenas.

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Há todo um espectro de maneiras pelas quais os povos indígenas podem se envolver no turismo: desde efetivamente fazer parte de uma experiência única para outras populações, apresentando-se de forma a agregar conhecimento para os visitantes, até áreas em que eles tenham maior controle do que será oferecido, efetivamente moldando a rede de turismo no local.

Há comunidades indígenas decidindo criar um espaço seguro onde possam aprender, ensinar e compartilhar sua cultura - com suas próprias comunidades e com os visitantes que recebem. Essas comunidades estão se apropriando dessa oportunidade, ganhando independência econômica e importância política: museus, patrimônios históricos, passeios guiados, aventuras terrestres e marítimas, amostras da "vida na natureza", culinária e costumes locais tornaram-se ingredientes comuns do turismo indígena.

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Contudo, a Organização Mundial do Turismo (OMT), que em 2021 lançou um conjunto de diretrizes projetado para garantir que as redes de turismo indígenas sejam experiências respeitosas e lideradas pelas próprias comunidades originárias, alerta que mesmo o turismo bem administrado tem um custo. Os turistas podem levar novas doenças e ameaças a regiões anteriormente "seguras" do mundo, concentrando ainda poluição e ampliando o risco de deslocamento em potencial - especialmente se o representante de alguma empresa descobrir algo que "valorize" essas terras.

"Somente onde os países anfitriões e seus governos apreciam o papel do turismo indígena na economia há algum grau de proteção. Para alguns povos indígenas, o turismo é uma das muitas opções disponíveis para ganhar a vida e, portanto, torna-se uma escolha, não uma necessidade. Para outros, no entanto, pode ser a única 'escolha' que eles têm", alerta o guia da OMT.

O documento descreve que novas "atrações" estão surgindo em todas as partes do mundo, atendendo a visitantes locais e estrangeiros interessados em descobrir formas mais tradicionais de vida. Ele destaca, porém, que, sem saber o que esperar, muitas pessoas acabam se surpreendendo.

Conforme o guia, os governos estaduais frequentemente buscam ajudar na viabilidade das redes de turismo indígenas, uma vez que têm o potencial de não só gerar empregos, mas alçar também o orgulho e o engajamento em regiões que podem precisar desse impulso. Em um contexto mais amplo, ele explica, quando bem feito, o turismo pode contribuir positivamente para a independência econômica, revitalização cultural e educação, além de criar oportunidades para encontros interculturais eficazes.

Viajantes vêm percebendo que podem realizar dois sonhos de uma só vez: fazer uma viagem de experiência, verdadeiramente autêntica, ao mesmo tempo que ajudam a manter a floresta em pé, contribuindo com os moradores e a conservação - Foto: Poranduba Amazônia / Divulgação

Especialistas destacam que as redes de turismo indígenas ainda estão em um estágio experimental de desenvolvimento, e há muitas razões compreensíveis para que os povos indígenas tenham medo do turismo e relutem em correr riscos. Eles têm boas razões históricas para não confiar no governo ou em empresas, sejam locais, nacionais ou internacionais: seus direitos humanos individuais e coletivos têm sido frequentemente desconsiderados em nome do "desenvolvimento".

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No entanto, quando o turismo cultural é de propriedade e operado pelos próprios indígenas, ele pode funcionar de maneira diferente para todos os envolvidos, aumentando o moral da comunidade e a autoconsciência cultural. É isso o que acontece com as três redes de turismo indígenas que listamos a seguir.

Poranduba Amazônia

Agência de viagens nascida dentro de uma comunidade ribeirinha, a Poranduba Amazônia tem despontado como alternativa para quem busca uma opção diferente de viagem. Criada em 2019 por moradores da pequena comunidade ribeirinha Tumbira, a 64 quilômetros de Manaus, a agência tem como objetivo fortalecer o turismo da região e trazer novas possibilidades de renda à população local.

A comunidade fica dentro de uma Unidade de Conservação Estadual, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Negro, e o acesso se dá somente por barco, o que acaba por proteger o local do turismo de massa e traz uma sensação de exclusividade ao visitante. Antes de ser uma área protegida, as famílias da região se mantinham com a extração de madeira, principalmente para a construção de barcos.

Turismo de base comunitária na Amazônia traz benefícios e transformação aos visitantes e às populações ribeirinhas - Foto: Poranduba Amazônia / Divulgação

Entretanto, em 2008, com a criação da Reserva, a comercialização de madeira foi proibida, e as famílias passaram a buscar outras formas de se manter. Aos poucos, a região foi se preparando para receber visitantes, com a construção de pousadas e abertura de trilhas.

"Com a criação da agência, foi realizado um mapeamento dos potenciais atrativos, que hoje conta com 17 atividades a serem realizadas pelos visitantes. Uma das experiências oferecidas é o Safari Amazônico, em que se pode apreciar a floresta de um jeito único", destaca a agência.

Por ser criada e gerida por moradores, no modelo de turismo sustentável de base comunitária, a Poranduba Amazônia consegue aproximar o visitante do modo de vida ribeirinho por meio de experiências originais, como fazer uma farinhada tradicional junto com uma família, ou participar de uma oficina com artesãs locais. Para quem gosta de natureza, não faltam opções. Entre elas, navegar pelo Parque Nacional de Anavilhanas, fazer canoagem pela floresta alagada no período da cheia, relaxar em uma praia de rio paradisíaca na época da seca e até pernoitar na mata, escutando os misteriosos sons dos animais em uma praia no meio da floresta.

Yaripo Ecoturismo Yanomami

O desejo dos Yanomami de tornar realidade o ecoturismo ao Yaripo - como é chamado por eles o Pico da Neblina - como um empreendimento próprio conquistou o apoio de parceiros estratégicos que passaram a apoiar a construção do Plano de Visitação Yaripo - Ecoturismo Yanomami. Em 2017, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) aprovou o plano, que tem o aval também da Funai. Assim, os Yanomami puderam começar a levar turistas ao ponto mais alto do Brasil.

"A promoção do ecoturismo ao Yaripo está em sintonia com a missão de cada instituição, contribuindo com a proteção da fronteira e da sociobiodiversidade e promovendo o bem-estar dos Yanomami. O Yaripo tornou-se um aglutinador de bons interesses, onde a sobreposição de Terra Indígena e Unidade de Conservação [por pertencer ao Parque Nacional do Pico da Neblina] significa dupla proteção, e o Plano de Visitação é o resultado de um processo colaborativo com responsabilidades compartilhadas entre os Yanomami e as instituições governamentais e não governamentais parceiras", destaca o projeto.

O Yaripo, como é chamado o Pico da Neblina pelos Yanomami, é duplamente protegido por pertencer à Terra Indígena Yanomami e ao Parque Nacional do Pico da Neblina - Foto: Projeto de Ecoturismo Yaripo / Divulgação

O turismo ao Yaripo possibilita que pessoas do mundo todo possam conhecer os Yanomami e o lugar precioso onde vivem, aprendendo um pouco de sua cultura e desfrutando de sua hospitalidade. Para seus idealizadores, a experiência proporcionada aos turistas é uma oportunidade para superar preconceitos e ampliar a aliança em defesa dos direitos indígenas e do meio ambiente.

Serras Guerreiras de Tapuruquara

As Serras Guerreiras de Tapuruquara (Iwitera Maramuywera Tapuruquara Suiwara, na língua Nheengatu) ficam no município de Santa Isabel do Rio Negro (antiga Tapuruquara), nas Terras Indígenas Médio Rio Negro I e Médio Rio Negro II. É nesse território sagrado para a cultura indígena que as expedições acontecem: aventuras amazônicas em meio à espetacular diversidade natural do Rio Negro, guiada pelos povos que vivem no lugar há milhares de anos.

Contam os antigos que essas serras alinhadas eram um grupo de guerreiros que desceu da Colômbia para travar uma batalha contra a serra localizada do outro lado do rio. Amanheceu o dia, os guerreiros viraram pedra e ali estão até hoje.

As Expedições Serras Guerreiras de Tapuruquara são viagens de experiência para apresentar ao visitante o território e os modos de vida desses povos. Elas são realizadas em conjunto pelas comunidades indígenas, pela Associação das Comunidades Indígenas e Ribeirinhas (ACIR) e por parceiros operadores - o que garante divulgação com respeito ao território indígena e a realização de roteiros com segurança.

Após um período de pausa em decorrência da pandemia causada pelo coronavírus, a visitação está sendo retomada aos poucos neste ano, observando todos os protocolos sanitários e o plano de contingência elaborado pelas comunidades e parceiros. Todos os roteiros proporcionam aos viajantes uma programação repleta de práticas culturais e aventuras amazônicas guiadas pelos povos indígenas do Rio Negro.



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