Nem o Dedo de Deus salva

O Globo, Rio, p.16 - 25/12/2005
Nem o dedo de deus salva
Teresópolis já tem 24% de sua população morando em favelas, mais que na capital
Famosa por suas belezas naturais, como o Dedo de Deus, Teresópolis está se tornando conhecida também por um motivo bem menos nobre: é uma das cidades fluminenses com a maior quantidade de favelas no estado. Estudo do Tribunal de Contas do Estado (TCE), com base em dados do Atlas de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), lançado em 2004, aponta Teresópolis como a segunda cidade com a maior proporção de pessoas morando em favelas, na frente até da capital. O avanço das comunidades pobres nas últimas décadas ameaça áreas de preservação ecológica, como o Parque Nacional da Serra dos Órgãos e a Área de Proteção Ambiental (APA) do Jacarandá.
De acordo com o Estudo Socieconômico do TCE do ano passado, 24% da população de Teresópolis moram em favelas, o equivalente a mais de 33 mil pessoas. É o segundo índice mais alto do estado, atrás apenas de Rio das Ostras, onde 40% da população são favelados. No Rio, o índice é de 19%. O contingente de 33 mil pessoas faz de Teresópolis também a quinta cidade do estado com o maior número bruto de pessoas morando em favelas. Segundo o Censo 2000 do IBGE, existiam no município, na época, 22 comunidades carentes. Somente Rio, Campos e Volta Redonda tinham quantidade superior.
Geógrafo culpa a expansão industrial
Para o geógrafo Willy Ortiz, presidente do Centro de Estudos e Conservação da Natureza (Cecna), a favelização de Teresópolis tem origem no período de expansão industrial, nas décadas de 60 e 70, e também em tragédias na Baixada:
— O favelado de Teresópolis, assim como o de Petrópolis, é majoritariamente da Baixada. É aquele que trocou a favela ou loteamento clandestino na Baixada por outro na Serra. Se for feita uma análise, vai-se perceber que os fluxos maiores de migrantes coincidem com os períodos de desastres na Região Metropolitana, como inundações — disse Ortiz.
O ambientalista Zé Waitz, que milita em Teresópolis, tem opinião parecida. Segundo ele, as primeiras favelas surgiram na época de estabelecimento de grandes fábricas, como a Sudantex, há cerca de 40 anos. Ele destaca, no entanto, o estímulo dado por algumas administrações municipais recentes à vinda de população de baixa renda da Baixada Fluminense:
— Tivemos um governo há uns seis anos que facilitou a ocupação irregular, inclusive em áreas de preservação. A isso, soma-se a atitude de alguns vereadores que apadrinham as ocupações, transformando-as em seus currais eleitorais.
A expansão das favelas ameaça importantes áreas de preservação. O Parque Nacional da Serra dos Órgãos já tem cinco comunidades carentes, além de construções de classe média, nos seus limites. A situação é mais crítica no bairro Granja Guarany, onde diversas construções ocupam as margens do Rio Paquequer, um dos limites do parque. Segundo o diretor da unidade, Ernesto Viveiros, a principal conseqüência é a contaminação do rio por esgoto.
— Depois que implantamos o Programa Boa Vizinhança, a expansão das comunidades está razoavelmente controlada, mas não totalmente detida. Uma das estratégias foi a criação de um Conselho Consultivo com representantes das comunidades, que recebem orientações e ajudam na fiscalização. O próximo passo é a revisão do Plano Diretor da cidade — disse.
A APA do Jacarandá, que tem boa parte de sua área inserida no Parque Estadual Três Picos, criado em 2002, também sofre com as ocupações irregulares. Em vôo sobre o local, o deputado Carlos Minc, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), constatou o crescimento de três favelas de porte médio e uma pequena em direção ao interior da mata. Para o deputado, a favelização do município trará prejuízos na área econômica:
— O que atrai os turistas para Teresópolis é principalmente a natureza. Parece que algumas administrações não se preocuparam com isso, o que poderá afetar a economia. Algumas favelas na APA aparentam ter em torno de três mil pessoas — disse.
João Eustáquio, diretor da Feema, órgão responsável pela administração da APA do Jacarandá, confirma o surgimento de invasões nas encostas, sobretudo nas imediações da BR-116 (Rio-Bahia). Ele admite que a Feema, sem a colaboração da prefeitura, não tem como enfrentar sozinha o problema. Segundo ele, está em pauta a revisão do Plano Gestor da APA, o que deve ajudar no controle das comunidades:
— Uma das estratégias será a criação de câmaras técnicas, com representantes de órgãos das três esferas de governo. Teremos uma câmara destinada à obtenção de recursos para dotar a APA de infra-estrutura e outra para atuar na fiscalização.
No Parque Estadual dos Três Picos, o maior do estado, a especulação imobiliária é considerada a grande inimiga da administração.
— Em agosto, descobrimos o início da construção de um condomínio de 300 casas no bairro de Canoas. Duzentas delas estavam dentro da área do parque e as outras cem na Área de Proteção Permanente. A construção foi paralisada. Hoje, temos o início da favelização nos bairros Meudon, Coréia, Quinta Lebrão e Fonte Santa, mas as áreas invadidas ainda estão longe dos nosso limites — afirmou o administrador do parque, Flávio Castro, do Instituto Estadual de Florestas (IEF).
Para o prefeito de Teresópolis, Roberto Petto, o processo de favelização do município foi controlado na sua gestão. Ele admite, contudo, um déficit de 4 mil moradias, número necessário de casas para erradicar as construções existentes em áreas de risco ou preservação:
— Eu diria que a favelização está diminuindo no município a partir do momento que freamos novas ocupações. A cidade está crescendo apenas formalmente — disse.

Prefeito critica metodologia do IBGE
Petto critica a metodologia adotada pelo IBGE, que põe a cidade no alto do ranking das mais favelizadas:
— Eles erram ao igualar bairros populares, com população de baixa renda e algumas carências de infra-estrutura, com favelas como as que existem no Rio. Essa comparação equivocada prejudica a imagem de Teresópolis.
Segundo o prefeito, foram demolidas este ano dez construções irregulares até dezembro. Estão em construção também 50 casas populares, ao custo de R$650 mil, com recursos integrais do município.
— Sozinha, a prefeitura não tem como combater esse déficit habitacional. As administrações dos parques reclamam das invasões, mas pouco fazem para combatê-las. Já a Cedae deixa sem rede de esgoto a maior parte do município, prejudicando nossos índices de desenvolvimento. Eu convido também o deputado Carlos Minc a colocar o pé na cidade e ajudar no combate às ocupações irregulares.

O Globo, 25/12/2005, p 16
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