Represas do interior estão ameaçadas

OESP, Metrópole, p. C1, C3 - 13/01/2009
Represas do interior estão ameaçadas
Expansão de atividades de lazer expõe reservatórios das regiões de Sorocaba e Avaré a riscos ambientais

José Maria Tomazela, SOROCABA

Uma nova onda de ocupação desenfreada ameaça a qualidade da água das grandes represas paulistas. Reservatórios como o de Itupararanga, na região de Sorocaba, e Jurumirim, em Avaré, que ainda têm águas limpas, voltaram a ser procurados para lazer e turismo sobretudo por quem foge da violência e da saturação do litoral. Esses mananciais correm o risco de se tornar tão agredidos ambientalmente quanto as Represas Billings e do Guarapiranga, perto da capital, segundo a SOS Mata Atlântica.

Para o ambientalista Mário Mantovani, da ONG, a pressão imobiliária afeta também as seis represas do Sistema Cantareira, que abastece grande parte da Região Metropolitana de São Paulo. "Nossas represas nunca estiveram tão ameaçadas. O nível de ocupação está no limite de se tornar irreversível."

As margens de Itupararanga são ocupadas mesmo após sua transformação em Área de Proteção Ambiental (APA) por lei estadual aprovada há dez anos. As águas abastecem 63% da população regional, estimada em 2 milhões de pessoas, incluindo os habitantes de Sorocaba e Votorantim. Segundo a Polícia Ambiental, a ocupação do entorno aumentou 50% no período, apesar da fiscalização feita até com helicópteros. Em Ibiúna, loteamentos clandestinos já lançam esgoto na represa.

Até quem tem interesse na preservação faz intervenções irregulares. A reportagem flagrou obras sem licença ambiental no Clube Náutico Belas Artes e no acampamento da Associação Cristã de Moços (ACM), em Votorantim. No clube, havia um trator removendo terra e areia junto à linha d'água, que se tornava barrenta. As chuvas carregavam para a represa partes de aterros construídos para a ampliação das instalações. Havia também vegetação cortada. Pela lei, nenhuma construção ou retirada de vegetais é permitida no local sem expressa autorização dos órgãos ambientais.

O clube náutico, que oferece passeios e aluguel de barcos, lancha e jet ski, anuncia um plano de expansão para novos associados com direito a edificação. Os títulos estão quase todos vendidos. O diretor José Benjamin Pesce diz que as obras são feitas com autorização da Marinha e da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do grupo Votorantim, detentora do reservatório. Ele admitiu falta de licença ambiental. "Demora demais." Sobre a vegetação, disse que só uma cerca viva foi retirada.

O plano de expansão foi autorizado pela prefeitura de Votorantim, mas gerou investigação do Ministério Público Estadual. Segundo o secretário de Meio Ambiente do município, Elzo Savella, como a área não será dividida em lotes, a legislação não pode vetar o empreendimento. A Polícia Ambiental diz ter autuado quatro vezes o clube por obras irregulares. A ACM constrói duas rampas de concreto para acesso de barcos junto à linha d'água. Uma delas, de 100 m de extensão, permite recolher hidroaviões. O secretário-executivo da ACM, Ricardo Abou-Nasser Hingst, diz que as rampas estão fora da Área de Proteção Permanente (APP) e que não há irregularidade.

O diretor do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN) Minoru Beltrão informou que aguarda relatório da Polícia Ambiental para tomar providências. Salvella, membro do conselho gestor da APA, vê a represa cada vez mais ameaçada. "Entre um sobrevoo e outro, a gente observa aumento nas construções." No trecho de Ibiúna, a água chega a ficar esverdeada pro causa das algas, consequência do lançamento de esgoto. Para ele, o plano de manejo da APA está pronto e é bastante restritivo. "Falta a aprovação do governador."


MP investiga possíveis danos ambientais

José Maria Tomazela

A ocupação irregular das represas se tornou um dos principais focos de atuação das curadorias ambientais do Ministério Público Estadual. Apenas na área da represa de Itupararanga, foram abertas 22 investigação de crimes ambientais nos últimos dois anos. Um deles, em Votorantim, visa a apurar se o plano de expansão do Clube Náutico Belas Artes está de acordo com a lei. De acordo com o promotor público Luiz Szikora, a suspeita é de que a expansão seja um loteamento disfarçado. Há dois anos, quando o nível da represa baixou muito, promotores das várias comarcas abrangidas pela Área de Proteção Ambiental decidiram agir juntos na defesa do manancial.

Em Ibiúna, o lançamento de esgotos nos rios formadores da represa também resultou em ações do MP. Também há processos nos fóruns de Mairinque, Cotia e Piedade. A represa de Jurumirim é objeto de mais de 50 ações ambientais.

A área conhecida como Ilha do Sol, empreendimento da prefeitura de Paranapanema, está embargada. O MP abriu inquérito para apurar danos ambientais resultantes da abertura e pavimentação de avenida na margem da represa. A prefeitura havia se comprometido, entre outras coisas, a plantar 21 mil mudas nativas. O plano de recuperação ainda não foi cumprido


Represa é invadida desde 1970
Jurumirim, em Avaré, tem casas populares, de luxo e até sem-terra

José Maria Tomazela, AVARÉ

A Represa de Jurumirim, em Avaré, a 250 km de São Paulo, formada pelo barramento do Rio Paranapanema para geração de energia, vem sendo ocupada desde a década de 70. Primeiro foram os fazendeiros e donos de haras. Nas décadas de 80 e 90, houve uma invasão de paulistanos. Agora, chegam as famílias do próprio interior que, cansadas dos congestionamentos e da violência, desistiram de ter casas no litoral.

A represa tem 100 km, com largura média de 3 km, e espelho d'água quatro vezes maior que o da Baía de Guanabara, no Rio. As águas límpidas atraem de condomínios de alto padrão a loteamentos populares. Há até áreas ocupadas por sem-terra. O apelo é tão forte quanto o do litoral, segundo Mário Mantovani, da SOS Mata Atlântica.

Grupos imobiliários transformaram grandes extensões da margem, entre Paranapanema e Avaré, em condomínios fechados, com acesso exclusivo às prainhas. Terrenos e construções são cotados em dólar. Na enseada Santa Madalena, mansões e hotéis avançam sobre a praia na região conhecida como Avenida Paulista. Algumas casas estão avaliadas em R$ 1,5 milhão. Mansões cinematográficas, com piscina e heliponto, são alugadas por diária de até R$ 1 mil. Lanchas e veleiros congestionam as marinas.

Os órgãos ambientais não dão conta dos pedidos de licenciamento de ancoradouros, rampas e píeres - e muitas obras acabam embargadas, às vezes por critérios discutíveis. O Hotel Reviver, em Paranapanema, foi embargado quase pronto, há mais de três anos. O Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais (DEPRN) alegou que parte da construção estava a menos de 100 m da linha d'água. Os donos do empreendimento, que têm um projeto ecológico, com uso de energia solar, tratamento de esgoto e reaproveitamento da água, recorreram à Justiça. O órgão embargou também uma faixa que a prefeitura queria utilizar como balneário público.

Perto dali, o restaurante de um condomínio foi construído à beira d'água. A piscina se projeta na areia e se confunde com o lago. A área está ocupada por construções e as praias foram "privatizadas". Muitos imóveis são de políticos e agentes públicos. O diretor do DEPRN de Avaré, Antonio Facco, conta que assumiu a região há menos de um ano e encontrou muitas situações consolidadas. As prefeituras pressionam para a liberação de obras e expandem a área urbana - onde as exigências ambientais são menos rígidas - para a margem do reservatório.

A prefeitura de Avaré informou ter conseguido a liberação de obras no bairro Costa Azul, com centenas de construções irregulares. As três glebas ocupam uma grande península. As casas lançam os esgotos em fossas domiciliares. O núcleo surgiu como um condomínio fechado, mas, em 2005, a prefeitura obteve ordem judicial para remover as portarias e assumir o bairro. Facco disse que a regularização está condicionada à instalação de reserva legal. "Ali foi feito tudo de maneira irregular."

As seis represas do Sistema Cantareira, principal fornecedor de água para a Grande São Paulo, também sofrem as pressões da ocupação. Cerca de 80% da área das bacias formadoras do sistema desde o sul de Minas está alterada por atividades econômicas que vão da agricultura à mineração. "A qualidade da água ainda é boa, mas há uma dinâmica de ocupação do território que oferece risco para o abastecimento", diz Mantovani. O risco é de repetir o que ocorreu com as Represas Billings e do Guarapiranga, seriamente ameaçadas pela ocupação desordenada e poluição.


'Não tinha ninguém. Agora é um bairro'
Represas de SP sofrem adensamento

Renato Machado, SÃO PAULO

Os especialistas dizem que as Represas Billings e do Guarapiranga não enfrentam mais um processo de ocupação desordenada, como a dos anos 1970 e 1980, responsável por uma devastação média de 35% das áreas em torno delas. Mas isso está longe de ser uma boa notícia. "Foi criada uma nova dinâmica. A ocupação urbana não está mais crescendo para outras áreas, mas vemos um adensamento das regiões já ocupadas. E isso significa mais esgoto jogado na represa", diz a coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA), Marussia Whately.

Um exemplo é o Jardim Aracati, na zona sul da capital, que fica na região da Represa do Guarapiranga. Há cinco anos, algumas famílias ocuparam a região formando a favela Muriçoca. "Fui uma das primeiras a chegar, quando não tinha quase ninguém. Agora já temos um bairro", diz a dona de casa Elaine Tavares, de 33 anos.

Para tentar barrar as ocupações, a Prefeitura lançou em 2007 a Operação Defesa das Águas e em seguida criou a Inspetoria da Guarda Ambiental, para executar os trabalhos de retirada de pessoas de áreas ambientais e de monitoramento. No primeiro ano de trabalho, foram removidas 786 construções irregulares nas áreas das Represas Billings e do Guarapiranga. No ano seguinte, no entanto, esse número foi de 478 - redução de 39%. De acordo com a Prefeitura, a queda nas remoções é consequência de uma fiscalização maior, que reduziu o número de novas construções irregulares. A prefeitura diz que deu prioridade em um primeiro momento para as construções ainda sem moradores, para depois agir sobre as estabelecidas. Um outro foco de atuação é o combate a loteadores, que vendem essas áreas para pessoas de baixa renda.

Foi a promessa de casa própria que levou a dona de casa Jocylene de Jesus Amparo, de 34 anos, a se mudar para uma favela ao lado da Billings, no Grajaú, zona sul. Ela morava com o ex-marido, pagando aluguel, quando um homem ofereceu um lote para eles há 11 anos.

A favela se formou atrás das residências da rua principal, a Dr. Nuno Guerme de Almeida. Atrás das casas, existia antes uma área verde que se estendia até a represa. O cenário foi sendo mudado à medida que as pessoas foram para lá e construíram seus barracos. O de Jocylene é o último, bem ao lado da represa, embora a água tenha recuado nos últimos anos. Seus três filhos aproveitam a proximidade para brincar jogando pedras na água. "Antes a gente nadava e até comia os peixes. Agora está tudo sujo". Ela diz não se preocupar com os rumores de que a prefeitura vai desalojá-los. "Essa história existe desde que cheguei."

OESP, 13/01/2009, Metrópole, p. C1, C3
Recursos Hídricos:Manancial

 

As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.