Vale do Paraíba resiste a projeto que cria parque

OESP, Vida, p. A16 - 23/12/2009
Vale do Paraíba resiste a projeto que cria parque
Prefeitos e fazendeiros reclamam da falta de debate sobre proposta, que engloba 16 cidades em 3 Estados

Felipe Werneck

A proposta de criação do Parque Nacional Altos da Mantiqueira provocou reação de proprietários rurais, donos de indústrias e prefeitos da região do Vale do Paraíba. O projeto do governo prevê a proteção integral de 87 mil hectares de mata atlântica em 16 municípios, sendo 9 paulistas, 6 de Minas e 1 do Rio. Trata-se do primeiro parque nacional com a maior parte (65%) do seu território no Estado de São Paulo.

O objetivo do Ministério do Meio Ambiente é preservar o corredor de fauna e flora que une o Parque Estadual de Campos do Jordão (SP) ao Parque Nacional do Itatiaia, no Rio. São cerca de 100 km de cristas de montanhas. Desde 1985, o trecho entre essas duas unidades é uma área de proteção ambiental (APA), categoria que permite o chamado uso sustentável. Na região, porém, isso foi considerado insuficiente para garantir os recursos naturais.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) incluiu no parque mais de 30% das terras de 4 das 16 cidades - outras 4 teriam mais de 20% de sua área protegida de forma permanente.

Quatro consultas públicas sobre a proposta foram realizadas no início deste mês. "Todas tiveram mais de 400 pessoas. Foi muito conturbado", disse Clarismundo Benfica, atual chefe da APA da Mantiqueira. "Há muita desinformação e também reação de fazendeiros. Também pecamos no passado e agora pagamos por isso. No Itatiaia (criado em 1937), por exemplo, até hoje pouquíssimos foram indenizados."

Benfica apontou como principais problemas na região o parcelamento irregular de solo e a plantação de eucalipto. "O pessoal vai subindo a montanha." Guaratinguetá é o município com a maior quantidade de terra incluída no parque - 15,5 mil hectares (20,7% da cidade).

O prefeito não gostou. Nem a família dele, que tem terrenos dentro da área delimitada. "A motivação não é porque a minha família tem terras ou não. O problema é a forma como estão querendo empurrar isso, goela abaixo", reclamou Antonio Gilberto Filippo Junior (DEM). Ele disse não saber a área das propriedades de sua família. "Não sou contra o parque. O problema é como tudo está sendo feito. Nem sequer o prefeito foi consultado. Fomos pegos de surpresa."

Piquete, uma das cidades em São Paulo, terá 39% de suas terras (ou seja 6,8 mil hectares) dentro do parque.

"Tive uma reunião com ruralistas, tem gente ficando até doente. Eles criam a terrinha com amor, dependem daquilo. Vão criar parque para quem, para macaco? O animal passou a ter mais valor que o ser humano. Acho um absurdo", disse o prefeito Otacilio Rodrigues da Silva (PMDB).

Para ele, Piquete pode "virar uma cidade fantasma". "Estão tirando o meio de vida do povo rural", completou.

Gerente industrial do Grupo Biondi, Filipe Biondi é responsável por 200 funcionários que trabalham na exploração de minério e numa indústria química na beira do futuro parque, em terreno de 2 mil hectares em Lavrinhas (27,5% das terras da cidade paulista ficariam no parque). "O meu bisavô veio para cá da Itália, faço parte da quarta geração. Como será o nosso futuro? Não sabemos o impacto que isso vai causar, porque estamos na zona de amortecimento. A preocupação é quanto à sobrevivência de um empreendimento que precisa crescer", disse Biondi. "A gente não é contra o parque, estamos contra o processo. Foi muito rápido."

De acordo com Benfica, chefe da APA, a atividade do grupo ficou fora do parque e poderá continuar, mas uma eventual expansão não será permitida.

A prefeita de Cruzeiro (27% dentro do parque), Ana Karin Andrade (PR), gostou da iniciativa. "Não há dúvida quanto à necessidade de preservação." Para ela, o processo é "transparente". "Estão tentando ser ágeis e essa velocidade causa receio. As pessoas estão acostumadas à morosidade. Em nenhum momento a proposta foi apresentada como definitiva."

Integrante do Sindicato Rural de Cruzeiro e dono de 370 hectares de eucalipto e de mata, Francisco Nunes disse que eles têm mais capacidade de proteger o ambiente que o governo. "Desapropriação é sinônimo de desemprego." Ele reconhece, porém, que lutar contra um parque nacional é "dificílimo".


Para coordenador de autarquia, reação ''é natural''

A meta do governo é criar o Parque Nacional Altos da Mantiqueira no início de 2010, disse o coordenador regional do ICMBio, Rogério Rocco. Após consultas públicas, um projeto de decreto deverá ser encaminhado à Casa Civil para assinatura do presidente Lula. "A criação de um parque nacional impõe uma série de mudanças e limitações. É natural que haja reação", disse Rocco.

A ocupação de terras não seria mais permitida - hoje, terrenos de até mil hectares são usados para pasto de ovelhas, silvicultura, etc. "De fato o parque vai interferir em propriedades privadas existentes. O processo de consultas existe exatamente para detectar onde eventualmente há falha ou conflito", disse "Se está andando rápido, isso deveria ser motivo de satisfação."

OESP, 23/12/2009, Vida, p. A16
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