Entre palmeiras-imperiais e baobás

O Globo, Boa Viagem, p. 6-8 - 08/12/2016
Entre palmeiras-imperiais e baobás
Novo roteiro turístico ressalta atrações históricas e naturais do Norte Fluminense, como quilombo e parque nacional

EDUARDO MAIA QUISSAMÃ
eduardo.maia@oglobo.com.br

Em frente ao Museu Casa Quissamã, duas fileiras de palmeiras-imperiais parecem abraçar um imponente baobá africano. O encontro dessas árvores, que simbolizam tanto os senhores de engenho quanto os escravos que trabalhavam nos campos de cana-de-açúcar, funciona como uma metáfora botânica para Quissamã, onde as heranças desses dois grupos formam um rico cenário cultural em pleno Norte Fluminense.
A 240 quilômetros do Rio, a cidade tenta se consolidar como destino de turismo rural, histórico e natural com o "Roteiro Sete Capitães: restinga, cachaça e quilombo", desenvolvido pelo Sebrae-RJ com empresários e entidades da região a partir de um projeto de valorização de locais no entorno de áreas de proteção. Neste caso, o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, o único do tipo no país e pouco conhecido fora do norte do estado. O nome faz referência ainda aos sete militares que, em 1627, ganharam sesmarias - onde hoje estão cidades como Campos, Macaé e Quissamã - por combaterem invasores franceses.
- O roteiro foi desenvolvido para ser feito em dois ou três dias, o que facilita viagens de fins de semana ou feriados para quem mora na Região Metropolitana, por exemplo - explica Haroldo Carneiro da Silva, um dos embaixadores do parque, um grupo organizado pelo Sebrae e pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio).
Haroldo faz parte da família Carneiro da Silva, o clã mais tradicional da cidade desde o século XVIII. Entre seus ancestrais mais notáveis estão José Carneiro da Silva, o Visconde de Araruama (dono do solar que hoje é o Museu Casa Quissamã, onde está o baobá, plantado nos anos 1860), e o pai deste, Manoel Carneiro da Silva, que fundou, por volta de 1770, o primeiro dos sete engenhos de cana da cidade. Entre eles a Fazenda São Miguel, onde Haroldo produz a cachaça 7 Engenhos, que tem rótulos premiados internacionalmente. O primeiro dia do roteiro, voltado aos aspectos históricos e culturais da região, inclui uma visita ao local, onde, além de conhecer o processo de fabricação da bebida, é também possível almoçar pratos da época do império.
JONGO NO QUILOMBO DA MACHADINHA
Quissamã é uma cidade de 20 mil habitantes com ares de interior e construções que remontam ao tempo dos barões da cana. Uma delas é a antiga estação de trem, hoje Centro Cultural Sobradinho, dedicado à produção de artistas da região. Quem tiver sorte pode provar na cantina o pastel de nata de dona Carmen Queirós, descendente de Euzébio de Queirós, outro figurão que deixou raízes por lá.
O dia termina na Fazenda Machadinha, que já foi do Barão de Ururaí, genro de Duque de Caxias. Tombado, o lugar hoje pertence aos descendentes dos escravos que trabalhavam naqueles campos. O curioso é que a comunidade habita as antigas senzalas, em frente às ruínas da casa grande.
No Quilombo da Machadinha, funciona um interessante projeto de turismo de base comunitária, que inclui hospedagem, refeições (com receitas resgatadas do tempo da escravidão) e um memorial cultural onde os próprios moradores contam a história da herança africana da cidade. O próprio nome vem de um homem, encontrado pelos sete capitães, que teria dito ser originário da nação Kissama, em Angola. Apresentações de jongo, no terreiro do lado de fora, ao redor de uma fogueira, encerram bem essa viagem à história pouco conhecida de Quissamã. E, sim, um baobá foi plantado anos atrás no terreno, para que as raízes dessa herança durem mais alguns séculos.


Parque Pássaros, lagoas e restinga

Eduardo Maia viajou a convite do Sebrae-RJ

O "Roteiro Sete Capitães: restinga, cachaça e quilombo" é resultado de um projeto do ICMBio para fomentar o turismo nos arredores de unidades de conservação. E a que talvez mais precisasse disso era a da Restinga de Jurubatiba, o menos conhecido dos cinco parques nacionais do Estado do Rio.
Localizado nos municípios de Quissamã, Macaé e Carabepus, o parque tem quase 15 mil hectares e se estende por uma faixa litorânea de 44 quilômetros. A frágil vegetação de restinga é formada por pequenos arbustos, palmeiras (uma delas dá nome ao parque) e árvores baixas.
O ambiente seco contrasta com as 18 lagoas permanentes, muito importantes para a numerosa fauna do parque. Há pelo menos 150 espécies de animais vertebrados que vivem ou passam por Jurubatiba em suas migrações. As aves são as grandes estrelas. Garças, corujas-buraqueiras, jaçanãs, frangos-d'água, martim-pescador, além de diferentes espécies de gaviões e marrecas, entre outros, fazem da restinga um dos melhores lugares para observação de pássaros do Brasil. Animais maiores como jacarés e tamanduás também habitam a área.
NO MAIOR CANAL DO PAÍS
- Queremos transformar essa área numa importante atração turística e de lazer justamente para poder conservá-la melhor. Quando as pessoas conhecem e dão valor, protegem o meio ambiente - argumenta o chefe do parque, Marcelo Pessanha.
Criado em 1998, apenas em 2012 foi aberto às atividades turísticas. A estrutura, porém, é bem precária. Um centro de visitantes começou a ser construído há quatro anos, mas as obras foram interrompidas. A maior parte dos visitantes se concentra às margens da Lagoa de Carapebus, que tem alguns bares e restaurantes e oferece, na alta temporada, passeios de caiaque e stand-up paddle.
Quem quiser conhecer mais a fundo essa reserva ambiental pode contratar um passeio de três horas que combina trechos sobre a terra e por canais e lagoas. A primeira parte é feita em um caminhão Reo do exército canadense, dos anos 1940. Ao chegar na Lagoa Preta os visitantes passam para um barco a motor, de onde se pode ver melhor os pássaros.
O barco percorre um trecho do canal Campos-Macaé, uma das maiores obras do Brasil Império. Com 109 metros de comprimento, é o segundo maior canal artificial do mundo (perde para o de Suez) e levou 17 anos para ficar pronto, em 1861. Projetado para escoar a cana-deaçúcar pelo mar de Macaé, foi usado por pouco tempo, antes de ser substituído pela estrada de ferro.

O Globo, 08/12/2016, Boa Viagem, p. 6-8
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