Áreas legalmente criadas entre 2005 e 2006 para salvaguardar os últimos remanescentes de Floresta com Araucárias e Campos de Altitude no Paraná e em Santa Catarina não receberam apoio
Em 2016 completou-se uma década da criação de um conjunto de Unidades de Conservação (UCs) no sul do Brasil, que visam proteger
remanescentes da Floresta Ombrófila Mista - ou Floresta com Araucárias - e outros ecossistemas associados que compõem o bioma Mata Atlântica, como os Campos de Altitude, também chamados de Campos Naturais. Nas duas formações vegetais, entre uma infinidade de espécies, destacava-se na paisagem o pinheiro-brasileiro ou Araucaria angustifolia.
Essas UCs foram propostas pela chamada Força-Tarefa das Araucárias, instituída pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e por um Grupo de Trabalho (GT) formado em 2003. Compuseram o time integrantes da sociedade civil, membros de instituições de ensino e pesquisa e representantes do governo federal e de estados da Região Sul do país.
O grupo foi criado pelo MMA para minimizar a resistência às Portarias 177 e 178/2002, que previam áreas prioritárias para a criação de UCs na Floresta com Araucárias e Campos Naturais. A mobilização contrária ao esforço foi centralizada em setores ligados à agricultura, à pecuária e à silvicultura, que, historicamente, detêm a supremacia econômica e política regional. Essa condição foi alcançada ao custo da conversão da quase totalidade dos ambientes naturais em atividades agrossilvipastoris, ocasionando o agravamento da erosão genética e até a extinção de muitas espécies da flora e fauna presentes nos dois ecossistemas, como imbuia, canela e araucária, por exemplo.
Um dos principais fatores de resistência foi o dispositivo das portarias que proibiam o plantio de espécies exóticas nas áreas e em seu entorno de até 10 quilômetros, o que gerou suas reedições com os números 507 e 508, no início de 2003. Entre outras ações, o GT decidiu pela formação da Força-Tarefa para estudar e discutir in loco as ações para as áreas das portarias, mesmo já tendo sido delimitadas por especialistas que trabalharam na definição das áreas prioritárias para a conservação do Brasil, oficializadas pelo governo federal no Decreto 5.092/2004.
Diante do cenário, entre 2004 e 2005, mais de 40 técnicos de instituições públicas e privadas, indicados pelo GT ou convidados pelo governo, integraram a Força-Tarefa e percorreram as áreas e outras indicadas ao longo das visitas aos municípios. Como resultado, foi proposta a criação de UCs ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na época, o órgão responsável pela criação e gestão das unidades federais. Foram elas: Estação Ecológica da Mata Preta e Parque Nacional das Araucárias, ambos em Santa Catarina; e Parque Nacional dos Campos Gerais; Refúgio da Vida Silvestre dos Campos de Palmas e do Rio Tibagi; e Reservas Biológicas das Araucárias e das Perobas, no Paraná.
Com a aprovação do MMA e do Ibama, a instrução dos processos foi acelerada e as reuniões formais de consulta pública - conforme determina o Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9.985/2000 e Decreto 4.340/2002) - foram agendadas para abril de 2005 nos municípios envolvidos.
Consultas foram realizadas em Imbituva, Ponta Grossa e Cianorte, no Paraná, porém, as previstas para Ponte Serrada e Abelardo Luz, em Santa Catarina, e em Palmas, no Paraná, não ocorreram em virtude de uma forte e truculenta mobilização contrária à criação das reservas. O entendimento do movimento contrário era que, se as reuniões não fossem realizadas, as UCs não poderiam ser criadas. Em Palmas, por insistência em tentar realizar a reunião, houve necessidade de escolta da Polícia Federal para evacuação da equipe do MMA e do Ibama até os limites da cidade.
Após um encontro do secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA com os governadores dos estados envolvidos, as reuniões foram reagendadas, ocorrendo sempre sob forte escolta policial. Os demais processos de criação das UCs tiveram sequência, mas a proposta de criação da Área de Proteção Ambiental das Araucárias, em Santa Catarina, e os trabalhos para a concretização das UCs no Paraná foram posteriormente interrompidos, em virtude de uma liminar impetrada por proprietários de terras.
Além das reuniões de consulta pública, outros encontros e visitas a campo aconteceram, visando minimizar o impacto sobre atividades produtivas lícitas, e foram acompanhados por políticos e pelos próprios proprietários das áreas. Para isso, foram criadas comissões municipais para apresentação de demandas, após audiências públicas realizadas no Congresso Nacional.
Em outubro de 2005, foram assinados os decretos para a criação da Estação Ecológica da Mata Preta (6.563 hectares) e para o Parque Nacional das Araucárias (12.841 hectares).
Após a revogação da liminar que questionava a criação das demais áreas, em março e abril de 2006, foram, finalmente, decretados o Refúgio de Vida Silvestre dos Campos de Palmas (16.582 hectares), a Reserva Biológica das Perobas (8.716 hectares), a Reserva Biológica das Araucárias (14.930 hectares) e o Parque Nacional dos Campos Gerais, a maior de todas (21.298 hectares). Até hoje, no entanto, o Refúgio do Rio Tibagi não foi criado devido à objeção do Ministério de Minas e Energia, em razão da permanência da mineração e de projetos hidrelétricos na região.
Recurso de compensação ambiental possibilitou a aquisição de áreas em Santa Catarina. Acompanhando as minutas de decreto de criação de UCs enviadas à Presidência da República, sempre segue um documento intitulado "Exposição de motivos", no qual o MMA resume as propostas e a previsão de fundos para eventuais despesas ao Tesouro público. Para essas UCs, indicou-se a utilização de recursos de compensação ambiental da construção da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, no Rio Pelotas. Por causa de termo de compromisso judicial, o empreendedor fez um depósito em juízo de R$ 21 milhões, posteriormente destinado para as UCs criadas em Santa Catarina, por estar localizadas na mesma bacia hidrográfica do empreendimento.
Conforme determina a Lei do SNUC, esses recursos devem ser aplicados prioritariamente na desapropriação de terras de particulares nos limites das unidades e, embora algumas áreas tenham sido adquiridas, a maior parte do território das duas UCs de Santa Catarina continua sob o domínio de particulares, o que dificulta a plena gestão do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão que hoje responde pelas UCs federais.
Ameniza essa situação o fato de que, em Santa Catarina, as áreas dispõem de planos de manejo e Conselhos Consultivos que orientam a gestão. Recentemente, com base no plano de manejo e aprovação do Conselho, uma pequena área do Parque Nacional das Araucárias foi oficialmente aberta à visitação pública.
Para as UCs do Paraná, a situação é mais crítica. A gestão mais efetiva ocorre na Reserva Biológica das Perobas, já que quase toda a área, embora ainda não desapropriada, trata-se da Reserva Legal de apenas um imóvel, o que reduz as dificuldades provenientes de tratativas com diversos atores. Parcerias com universidades e com outras instituições da região também possibilitaram a implantação do Conselho da unidade e a elaboração de seu plano de manejo.
Mesmo tratando-se de uma unidade de conservação de Proteção Integral, a categoria de Refúgio de Vida Silvestre não implica, necessariamente, desapropriações, desde que os proprietários aceitem certas condições que compatibilizem o uso da área com os objetivos da unidade.
Para o Refúgio dos Campos de Palmas algumas atividades foram estabelecidas como compatíveis no Decreto de Criação da UC. A criação extensiva de bovinos nos campos naturais é um exemplo. Entretanto, durante as discussões sobre a criação da UC, diversas áreas foram alteradas com plantios de pínus, espécie arbórea exótica utilizada pelas indústrias de papel, celulose e madeira. Em fiscalizações do Ibama, essa situação foi flagrada e, posteriormente, a multa foi convertida em investimento para a elaboração do plano de manejo, aprovado recentemente. A unidade também conta com Conselho Consultivo e sede, em Palmas, compartilhada com as outras duas unidades de Santa Catarina, situadas em municípios próximos. As três unidades atuam em parceria, qualificando as ações dos quatro analistas ambientais que trabalham nas UCs.
Entre todas as unidades, a Reserva Biológica das Araucárias é a com menor nível de implementação. Não dispõe de Conselho, plano de manejo, nem de áreas desapropriadas, estando ainda integralmente na posse de particulares. Ações executadas nesse sentido resumem-se à abertura dos processos administrativos e mapeamento cartográfico dos imóveis com apoio da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Projetos de pesquisa são executados na UC e no entorno por pesquisadores da mesma instituição, da Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro) e da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), além de entidades da sociedade civil. Ações burocráticas e de fiscalização são as principais atividades da chefia e de mais um analista ambiental da unidade. Eles também compartilham ações com três outros analistas do Parque Nacional dos Campos Gerais, com quem dividem uma sede em Ponta Grossa.
Situação não menos complicada é a do Parque Nacional dos Campos Gerais, em Ponta Grossa. A resistência à UC ainda perdura, especialmente por famílias que detêm significativas áreas em seu interior e que possuem grandes poderes políticos e econômicos locais. Ademais, as áreas de Campos de Altitude na região, que denominam a unidade, foram historicamente usadas para pecuária extensiva. A prática precisa ser interrompida para que a UC cumpra seus objetivos e evite mais danos causados pela atividade e outras em curso, como sivicultura, agricultura e exploração do turismo de maneira desordenada.
Essa UC também conta estudos de instituições da sociedade civil e de universidades da região, que mapearam quase todas as áreas particulares em seu interior. Pesquisas sobre a dinâmica da vegetação, de diversos grupos da fauna e flora, das cavidades naturais e até um monitoramento e fiscalização por meio de drones foram ou estão sendo realizadas na unidade, contando com apoio financeiro de editais da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que também financiou outros estudos nas regiões de todas as demais UCs.
Diante desse cenário, conclui-se que a condição das UCs federais, criadas para salvaguardar alguns dos poucos remanescentes de Florestas com Araucárias e Campos de Altitude, infelizmente, ainda está distante de concretizar seus objetivos.
Entretanto, com o apoio da sociedade civil e de instituições de fomento à pesquisa e à conservação, espera-se que em alguns anos tais áreas possam estar efetivamente implementadas, garantindo serviços ecossistêmicos para as populações atuais e também para as vindouras.
Cabe, porém, à sociedade cobrar o poder público, se necessário, com a intervenção do Ministério Público, para que esse processo seja agilizado. Todos os esforços investidos e o patrimônio biológico que reúnem essas áreas não podem ser ignorados.
Ampliar essas unidades, criar outras, regularizar as propriedades rurais do entorno, recuperar áreas de preservação permanente e reservas legais e estabelecer corredores ecológicos são medidas complementares igualmente urgentes.
* Emerson Antonio de Oliveira é engenheiro-agrônomo, mestre e doutor em ciências florestais e coordenador de Cência e Informação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
http://epoca.globo.com/ciencia-e-meio-ambiente/blog-do-planeta/noticia/2016/12/por-que-unidades-de-conservacao-de-araucarias-estao-em-situacao-precaria.html
UC:Geral
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