Nova gestão ameaça status de parques nacionais

O Globo, Sociedade, p. 22 - 06/01/2020
Nova gestão ameaça status de parques nacionais
Parques nacionais podem perder status com nomeação de novos gestores
Ruralistas defendem que unidades não tenham mais proteção integral; ministro Ricardo Salles atacou administrações anteriores

Renato Grandelle
06/01/2020 - 04:30

RIO - No fim de 2019, dois parques nacionais que estiveram no centro de polêmicas durante o ano ganharam novos chefes. Na semana passada, o biólogo Fabiano José de Souza tomou posse na Lagoa do Peixe (RS). Sua nomeação foi publicada no Diário Oficial de 30 de dezembro. Pouco antes, o tenente-coronel Emerson de Barros Pinheiro assumiu o comando de Campos Gerais (PR). As administrações anteriores das duas unidades de conservação foram criticadas pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que, aliado a ruralistas, defende mudanças nos territórios protegidos. Entre as propostas aventadas está a conversão dos locais em área de proteção ambiental (APA).

As APAs são unidades de uso sustentável, que permitem a presença de moradores e propriedades privadas, onde se alia a conservação da natureza ao uso sustentável dos recursos naturais. Já os parques nacionais são unidades de proteção integral. Neles, toda área de posse é de domínio público e a ocupação humana é expressamente proibida. A principal finalidade dos parques é a preservação dos ecossistemas, proporcionando o desenvolvimento de pesquisa científica e do ecoturismo.

Salles visitou Lagoa do Peixe em abril e, em um encontro com ruralistas e produtores, afirmou que abriria um processo administrativo disciplinar contra funcionários do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) por não estarem na plateia. O evento, porém, não constava da agenda oficial do ministro. O presidente da autarquia, Adalberto Eberhard, que presenciou a cena, pediu exoneração dois dias depois. O chefe do parque, Fernando Weber, foi demitido no fim daquele mês.

Em maio, o ministro visitou Ponta Grossa (PR) e se encontrou com ruralistas que reivindicaram a extinção do Parque de Campos Gerais, sediado no município. O argumento era a dificuldade de se construir empreendimentos no local e de acesso ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). A unidade de conservação não foi extinta, mas estava sem chefe até agora - o que, segundo os ambientalistas, torna o local vulnerável a invasores.

Novo chefe da Lagoa do Peixe, Souza trabalhou no parque entre 2002 e 2016, mas nunca em atividades de coordenação. Segundo ele, foi dispensado por redução de pessoal. A partir de então, tornou-se porta-voz de um movimento que defende a mudança no status da unidade de conservação, transformando-a em APA.

Embora as unidades de conservação sejam criadas por decreto presidencial, qualquer alteração em sua estrutura - tamanho da área, mudança de categoria, ou mesmo sua extinção - só pode ser realizada por meio de um projeto de lei. A decisão, portanto, cabe ao Congresso Nacional. Em caso de aval do Legislativo, ambientalistas temem um efeito dominó, e que outros parques tenham seu status de conservação flexibilizado.

Nas últimas semanas, o biólogo apagou uma série de posts sobre o assunto em uma rede social. No dia 31 de julho, postou uma fotografia com os prefeitos de Tavares, Gardel Machado (PP), e de Mostardas, Moisés Pedone (PP), cidades onde fica o Parque de Lagoa do Peixe, afirmando que "a nossa luta é transformar o parque em área de proteção ambiental". Em 15 de outubro, anunciou que, no dia 27, haveria uma "reunião da comissão onde vai discutir APA com o ICMBio, já confirmado (sic) a presença do deputado Alceu Moreira", do MDB.

Em entrevista ao GLOBO, Souza nega que tenha organizado encontros para debater o tema.

- Me convidavam para ir, e eu falava que devia ser mantido como parque nacional - explica. - Já defendi (a mudança para APA), mas mudei de ideia.

Souza acrescenta que conversou com Alceu Moreira sobre o futuro do parque. O deputado, que é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, foi o padrinho da indicação de Maira Santos de Souza para a chefia da unidade de conservação, em julho. A agrônoma de 25 anos, filha de fazendeiros da região, teve a nomeação suspensa pela Justiça em outubro por não ter a qualificação exigida pela lei. O deputado não atendeu ao pedido de entrevista.

- Não sei o que ele (Moreira) estava fazendo, mas quero dar continuidade - anuncia o biólogo. - Quero conversar com os pescadores, ver se chegamos a um acordo, já que, pela lei, eles não podem atuar dentro do parque.

Procurados, os prefeitos Machado e Pedone revelaram que, na área do parque, há apenas pequenos proprietários rurais, alguns com famílias instaladas no local há mais de um século. Eles afirmam que a mudança no status de conservação de Lagoa do Peixe deve ser discutida, mas por vias legais. Eles confirmam que participaram de reuniões com Souza e que o biólogo era favorável à criação de uma APA.

- Ele (Souza) defendia a mudança com uma canetada, mas sabemos que isso só pode ser feito por lei. Da forma como ele discutia, é perda de tempo - sublinha Pedone.

No currículo do tenente-coronel Pinheiro, por sua vez, não há qualquer menção a atividades na área ambiental. Sua nomeação surpreendeu coordenadores do ICMBio da região. Pinheiro, no entanto, encaixa-se no perfil da autarquia, que em abril solicitou a batalhões da Polícia Militar de todo o país a indicação de policiais inativos para gerir unidades de conservação.

Segundo Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Nacional Pró UC, Lagoa do Peixe e Campos Gerais sofrem pressão histórica para perda de status de parque nacional.

- Por isso, ambos são entregues a pessoas que não têm preparo técnico, mas refletem a visão do governo, a de fragilizar as unidades de conservação - acusa. - Estão em jogo em Lagoa do Peixe o interesse pela manutenção de áreas privadas e instalação de parques eólicos. Campos Gerais enfrenta o avanço da plantação da soja. O conselho gestor deveria se reunir no mínimo quatro vezes por ano. Em 2019, pelo menos três encontros não foram promovidos.

O Ministério do Meio Ambiente, questionado pelo GLOBO, não respondeu qual foi o critério seguido para a nomeação de Souza e Pinheiro. O chefe do Parque de Campos Gerais não foi localizado pela reportagem.


O Globo, 06/01/2020, Sociedade, p. 22

https://oglobo.globo.com/sociedade/parques-nacionais-podem-perder-status-com-nomeacao-de-novos-gestores-1-24172593
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