Queimadas e problemas de saúde fazem cerca de 200 ribeirinhos deixarem suas casas no Pantanal

O Globo, Sociedade, p. 9 - 14/08/2020
Queimadas e problemas de saúde fazem cerca de 200 ribeirinhos deixarem suas casas no Pantanal

Plantações destruídas, baixo rendimento da pesca e problemas respiratórios provocados pela fumaça afetam moradores de comunidades

Renato Grandelle

Há quatro meses é assim. Morador da comunidade ribeirinha de Porto Manga, a 70 km de Corumbá (MS), o pescador Delson Castelo, de 57 anos, vê o dia nascer cinza - resultado das queimadas que, ontem, acometiam cerca de 1,2 milhão de hectares do Pantanal. Sua família convive com dificuldades provocadas pelos incêndios, mas a situação de outras é ainda mais grave. Castelo conta que, em regiões vizinhas, a única saída encontrada foi o êxodo. Pelo menos 200 pessoas, doentes com a fuligem e temorosas com o fogo, preferiram deixar suas casas em busca de um abrigo, ainda que temporário, nas cidades.

O levantamento, assinado pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), foi realizado em oito comunidades ribeirinhas na margem de cidades do Mato Grosso do Sul assoladas por incêndios. Nelas vivem cerca de 1.110 pessoas, distribuídas em cerca de 240 famílias. As pessoas que deixam suas casas, em geral, recorrem a parentes que vivem na região urbana.

- Vimos relatos de pessoas que sofriam dor de cabeça e problemas respiratórios agravados pelos incêndios - afirma Angelo Rabello, diretor de relações institucionais do IHP. - O empobrecimento dos ribeirinhos aumentou muito nos últimos 30 anos. Como vivem em regiões de baixa densidade populacional, as zonas mais carentes não contam com telefonia, estrada ou energia elétrica. Há cada vez menos cabeças de gado, e o pasto abandonado é vulnerável à entrada do fogo.

Castelo reconhece a dificuldade para obter atendimento médico - segundo o pescador, a Marinha provê o serviço esporadicamente, mas as mães precisam comprar remédios na cidade, e as dores na garganta, resultado do convívio com a fumaça, tornaram-se um problema comum, especialmente entre as crianças.

- Chefes de família que moram em comunidades carentes, sem água tratada ou boa alimentação, mandam os parentes para morar na cidade, onde podem escapar da miséria. Agora, estão sozinhos - conta Castelo. - O Pantanal está tão seco que lembra o Nordeste.

André Luiz Siqueira, diretor presidente da ONG Ecologia e Ação (Ecoa), reconhece uma "migração temporal" dos pescadores, que vão às cidades para atualizar seus cadastros em programas sociais. No entanto, acredita que as diferenças entre os meios urbano e rural desmotivem os ribeirinhos a abandonar seus lares por muito tempo.

- Apesar de terem o rio como meio de subsistência, e não o pasto, os ribeirinhos são acusados pelo Estado de provocar os incêndios. Estão muito indignados com essa mentira e com a distância de qualquer atendimento à saúde - diz Siqueira. - Sabem que, na cidade, são preteridos pela classe média alta de qualquer serviço. Além disso, não terão a pesca para lhes dar comida, e ficarão expostos à subnutrição. A vida urbana demanda muito mais dinheiro do que eles precisam em seu ambiente. Acho que, por isso, podem se envolver em gangues.

Alimentação afetada
A pescadora e artesã Julia González, moradora da Área de Proteção Ambiental (APA) Baía Negra, no município de Ladário (MS), viu o fogo destruir seu pomar, onde fazia geleias com plantas nativas, além do pequeno terreno em que cultivava mandioca e milho.

Julia tem 62 anos e reside na APA há mais de 20. Não sabe de onde veio o fogo e para onde foi a água dos rios que banham o Pantanal.

- A queimada afetou nossa alimentação. Geralmente, quando pedimos ajuda, os bombeiros dizem que fomos nós que ateamos o fogo - lamenta. - Os caminhões-pipa ficaram quatro dias jogando água ao redor de nossas casas, para que nenhuma delas seja atingida pelos incêndios. Muitas são de madeira, alguns moradores usam até papelão para fechar as portas. Agora, precisamos começar de novo.

O combate ao fogo está sendo capitaneado pela Operação Pantanal II, que reúne Corpo de Bombeiros do Mato Grosso do Sul, Polícia Militar Ambiental, Exército, Força Aérea e Ibama.

O Globo, 14/08/2020, Sociedade, p. 9

https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/queimadas-problemas-de-saude-fazem-cerca-de-200-ribeirinhos-deixarem-suas-casas-no-pantanal-24585639
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