Agência Nacional de Mineração tem apenas 250 fiscais para cuidar de 35 mil minas

O Globo - https://oglobo.globo.com/sociedade - 02/03/2021
Agência Nacional de Mineração tem apenas 250 fiscais para cuidar de 35 mil minas
Além de monitorar empreendimentos regularizados, autarquia precisa identificar os clandestinos, que ocupam áreas protegidas por lei; servidores têm idade avançada e poucos participam de operações em campo

Renato Grandelle
02/03/2021

RIO - Com aproximadamente 250 técnicos para monitorar as 35 mil minas regulamentadas do país, a Agência Nacional de Mineração (ANM) vive situação precária. Cabe aos fiscais da autarquia responsável pela gestão dos recursos minerais do país ir a campo para vistoriar se o volume de produção e a tecnologia empregada pelas empresas do setor seguem critérios estabelecidos na concessão para exploração daquela área.
Além disso, precisam identificar os empreendimentos ilegais, onde se observa inclusive o emprego de trabalho escravo. E os servidores não têm dado conta da demanda. Sua média de idade é de 56 anos, e muitos já não participam de operações por serem de grupo de risco para a pandemia da Covid-19.
O efeito prático pode ser observado no Parque Nacional de Jamanxim, no Pará, lar de povos indígenas e milhares de espécies de fauna e flora, entre elas a ariranha e a onça-pintada, ameaçadas de extinção. A unidade de conservação é hoje conhecida por conflitos fundiários e atividades econômicas que avançam clandestinamente. Algumas tentam amparo legal - há 159 requerimentos esperando análise para exploração do local parados na ANM.
O problema não se restringe ao Jamanxim. A ANM guarda 35 mil requerimentos, seja de pesquisa ou exploração, que envolvem unidades de conservação de proteção integral, ou seja, em áreas onde é proibido o consumo ou dano a recursos naturais. Por isso, todos os pedidos serão sumariamente negados pela agência. Mas ainda assim eles emperram o andamento de seus trabalhos, já prejudicados pelo baixo contingente de servidores e a queda de fiscalizações.
- Lidamos, ao mesmo tempo, com requerimentos pendentes há uma década, que agora estão sendo digitalizados, e a necessidade de melhorar a fiscalização - explica Debora Puccini, diretora da ANM. - Montamos equipes especializadas em cada substância mineral, queremos usar drones e satélites, e vamos a campo com as polícias locais para fazer operações contra minas ilegais. Mas, quando viramos as costas, toda a estrutura fechada aparece novamente. É como enxugar gelo.
Há requerimentos para mineração em todas as 49 unidades de conservação integral da Amazônia Legal. Segundo Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, a abertura ilegal de minas em parques nacionais e reservas biológicas reflete a falta de diálogo entre o governo federal e setores da sociedade, como acadêmicos e indígenas.
Terra de ninguém
Moutinho teme que as ações do governo Bolsonaro para enfraquecer a legislação ambiental estimulem a institucionalização da ilegalidade.
- Parece descabido, com as mudanças climáticas, entregar áreas de proteção ambiental à mineração - diz. - Estudos mostram a quantidade de problemas associados à exploração de minérios. Não apenas desmatamento, há também efeitos graves sobre a qualidade da água e a biodiversidade.
Angela Kuczach, diretora executiva da Rede Nacional Pró UC, considera que as empresas apelam para argumentos sem propósito para justificar a exploração ilegal de unidades de conservação.
- Na maioria dos casos, o decreto que cria a unidade de conservação estabelece claramente seus limites. Não há como uma empresa argumentar que atua em determinada área apenas por não saber que ela é protegida por lei - explica. - No entanto, seria interessante desenvolver uma plataforma que demonstre, talvez por coordenadas de GPS, a delimitação de cada parque.
Para Kuczach, o baixo efetivo da ANM disponível para análises de requerimentos e combate a minas ilegais condiz com o que é visto em órgãos ambientais:
- Não é uma exceção. Basta ver como há poucos agentes alocados no Ibama e no ICMBio para cuidar de um território imenso. A Amazônia é uma área que, devido à sua riqueza de minérios, sofrerá cada vez mais pressão econômica. E não há analistas ambientais que possam organizar e proteger as unidades de conservação. É uma terra de ninguém.
A mineração industrial na Amazônia remonta à década de 1940, com a exploração de minério de manganês na Serra do Navio, no Amapá. Durante a ditadura, as políticas de ocupação da floresta foram intensificadas. A Constituição de 1988, no entanto, fortaleceu a legislação ambiental, exigindo a realização de estudos sobre licenciamento da área a ser explorada. No entanto, a degradação produzida até então, a falta de fiscalização e de políticas para o desenvolvimento regional têm mobilizado a operação da indústria fora de padrões estabelecidos e mesmo em áreas proibidas.
PL permitirá exploração
Entre as pautas consideradas prioritárias este ano no Congresso está um projeto de lei que permite a exploração econômica, como a extração de minério, de terras indígenas. Trata-se de uma promessa de campanha de Bolsonaro. O texto do governo afirma que os indígenas serão sempre consultados, porém não terão poder de veto sobre as atividades. O número de pedidos por autorização destes territórios cresceu nos últimos dois anos na ANM.
Jarbas da Silva, secretário do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração, acredita que o sucateamento da agência é "proposital" e beneficia as empresas.
- Como não há um número suficiente de fiscais, o governo passou a aceitar laudos das próprias empresas exploradoras, sem um monitoramento do Estado, como uma demonstração de que elas estão seguindo a lei - lamenta. - Bolsonaro inverteu uma lógica histórica da Amazônia: os militares, que sempre tiveram controle sobre terras indígenas e mineração em áreas de fronteira, agora veem este serviço entregue ao capital internacional, já que poucas companhias brasileiras têm condições financeiras para participar de grandes empreendimentos.

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