Para salvar a natureza que restou

CB, Cidades, p.24 - 09/03/2004
MEIO AMBIENTE Para salvar a natureza que restou Biólogos do Zoológico mapearão o impacto das invasões e da poluição no Parque do Guará, uma das reservas ecológicas mais ricas do DF

Três biólogos do Jardim Zoológico de Brasília têm a missão de apontar o tamanho do estrago causado pelo bicho-homem nos mais de 300 hectares de cerrado do Parque do Guará. Um especialista em aves, um em réptil e outro em mamíferos vão passar dois meses debruçados em mapas e no meio do mato para levantar a quantidade de animais e espécies que sobreviveram à ação de invasores na reserva ecológica.  A pesquisa na área que tem quase o tamanho do Parque da Cidade deve ser concluída em dois meses, segundo a diretora de pesquisa e conservação do Zoológico de Brasília, Debora Soboll, responsável pelo trabalho. ‘‘Estamos mapeando o local, antes de começarmos a pesquisa de campo’’, conta. O início da identificação dos animais do parque está programada para a próxima semana. Os biólogos vão usar diversas técnicas. Uma delas é a captura. Baldes com comida servirão de armadilha para atrair animais, que serão catalogados. Os bichos também serão observados com a ajuda de binóculos. Os rastros e fezes deixados no cerrado também servirão de meios para identificar as espécies de maior porte e as mais arredias. O censo dos animais será usado pela recém-criada Secretaria de Parques na briga contra os invasores de área pública. ‘‘Será um argumento a mais para desocuparmos a reserva. Com o levantamento, teremos uma dimensão do estrago causado pelas invasões’’, explica o secretário Ênio Dutra. Segundo ele, 134 famílias moram irregularmente no local. ‘‘Só 20% a 30% estão lá por falta de opção e precisam do governo.’’ O Governo do Distrito Federal (GDF) só abrirá a reserva do Guará à visitação pública depois que todas as famílias forem removidas. Segundo o secretário de Parques, o processo de retirada dos invasores será lento. Ele acredita que as primeiras famílias sairão do parque somente no meio do ano. A previsão era que a transferência começasse em janeiro passado. ‘‘Faltava um local para assentar as famílias. Conseguimos alguns terrenos na área rural do Recanto das Emas’’, adianta o secretário. Além dos invasores, a reserva ecológica do Guará sofre ameaças da ação de empresas e estabelecimentos comerciais das redondezas. A 30 metros da cerca da área de proteção ambiental são construídas 16 casas da Vila Tecnológica, no Setor Lúcio Costa. O entulho das obras e o lixo dos moradores espalham-se pelas trilhas. Donos de bares do Pontão do Cave (em frente ao Cartódromo) são acusados pela Administração Regional de despejarem esgoto no Córrego do Guará. O córrego também recebe o esgoto das famílias invasoras, o óleo e o sabão que escorrem pela tubulação de águas pluviais dos setores de Cargas e de Inflamáveis. Técnicos da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) estimam que 90% da água está poluída. Além do desmatamento, a vegetação é alvo dos raizeiros. Até a árvore símbolo da reserva, um pau-d’óleo com idade estimada em 200 anos, está ameaçada. O óleo é vendido como expectorante e rejuvenescedor na Feira do Guará, a R$ 5 o vidrinho de 5 ml. Parque tem ainda uma das maiores variedades de orquídeas do DF e de animais silvestres. Levantamento feito pela Semarh, há mais de duas décadas, revelou que a reserva tinha mais de 50 espécies de orquídeas 15 delas só nasciam ali, 200 tipos de aves, 100 variedades de répteis, 75 de mamíferos e 300 espécies de plantas nativas. Agora, cabe aos biólogos do Zoológico saber o que restou dessa riqueza.

PARA SABER MAISÁrea prevista desde 1964. Em 1964, o Governo do Distrito Federal (GDF) já destinava as áreas 27, 28, 29 e 30 da região administrativa do Guará para a criação de um parque ecológico. A reserva ocupa área de 300 hectares. Junto com o vizinho Parque Ecológico Ezequias Heringer, tem 402 hectares. É quase a área do Parque da Cidade (de 420 hectares). As duas unidades de preservação ambiental cruzam o Guará I e II, e têm como limites o Setor de Indústrias e Terminal de Cargas e o Setor de Inflamáveis, além das estradas parques Taguatinga-Guará (EPTG) e de Indústria e Abastecimento (Epia). Na reserva estão a nascente do Córrego Guará, afluente da Bacia do Paranoá, e o ponto de encontro dele com o córrego Vicente Pires. O parque abriga a única espécie de pinheiro do cerrado local (podocarpus brasilienses, o pinheiro bravo).

CB, 06/03/2004, p. 24
UC:Reserva Ecológica

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