"Açaí" de palmito juçara é opção à extração ilegal

OESP - 09/01/2008
Ambientalistas e pesquisadores querem estimular consumo da polpa para controlar exploração predatória de espécie típica da mata atlântica

A receita para salvar uma das espécies mais ameaçadas da mata atlântica pode ser uma tigela gelada coberta com granola e fatias de banana. Pesquisadores e ambientalistas querem transformar a palmeira juçara no açaí do Sudeste. A espécie, cobiçada por seu palmito tenro e saboroso, produz frutos quase idênticos ao da palmeira amazônica, com uma polpa tão arroxeada e energética quanto a do açaí. Mas não é aproveitada dessa forma.

Todas as tentativas de promover a produção sustentável do palmito juçara fracassaram. Não por uma questão técnica ou ambiental, mas de segurança. As plantações são presa fácil para palmiteiros, que invadem as fazendas e roubam o palmito - assim como fazem em praticamente todas as unidades de conservação da mata atlântica, os últimos refúgios da espécie, ameaçada de extinção.

A estratégia agora é passar da exploração do palmito para a da polpa das sementes, a exemplo do que é feito com o açaí da Amazônia. A diferença crucial é que a extração do palmito mata imediatamente a planta, enquanto a coleta dos frutos mantém a palmeira viva e apta a se reproduzir, sem perturbar o equilíbrio ecológico da floresta.

No Núcleo Santa Virgínia do Parque Estadual da Serra do Mar, no Vale do Paraíba (SP), um projeto distribui 35 mil mudas de juçara para 30 proprietários rurais do entorno, nos municípios de Natividade da Serra e São Luís do Paraitinga. Cada um recebe 1.200 mudas, suficientes para semear 1 hectare. Com cerca de 15 centímetros, as palmeiras são plantadas em fragmentos de floresta cujas juçaras originais foram dizimadas por palmiteiros.

Em 12 anos , as plantas estarão aptas para a primeira colheita. Segundo o engenheiro florestal João Paulo Villani, gestor do núcleo e idealizador do projeto, uma palmeira adulta com quatro cachos pode produzir 10 quilos de sementes por ano. A renda com o comércio da polpa seria de R$ 25 a R$ 30 por árvore/ano - mais do que se obtém pelo palmito in natura, com a vantagem de ser uma cultura perene.

Além de valorizar economicamente a espécie, a produção de polpa seria uma forma de estimular a conservação e o reflorestamento. O palmito juçara precisa de um ambiente sombreado para crescer, e o melhor lugar para semeá-lo é a própria mata. Os fragmentos em que as mudas estão sendo plantadas foram selecionados para formar um corredor ecológico, conectado a matas ciliares para facilitar a dispersão da espécie.

"A idéia é que esses fragmentos se tornem ilhas de biodiversidade", afirma Villani. "Há uma série de espécies que entram e saem do parque por meio das matas ciliares." A palmeira juçara, segundo os especialistas, é uma espécie-chave na ecologia da mata atlântica. Está na base da cadeia alimentar de dezenas de aves e mamíferos, assim como dos animais que se alimentam deles.

O projeto, Semeando Sustentabilidade, é uma parceria da Fundação Florestal com a organização social Akarui.

"Só tem juçara onde tem floresta, não dá para plantar em qualquer lugar, como se fosse eucalipto", ressalta Nilson Máximo, da organização SOS Mata Atlântica.

EM FAMÍLIA

A palmeira juçara (Euterpe edulis) e o açaí (Euterpe oleracea) são espécies irmãs - tão próximas que podem até cruzar. Quem já consumiu a polpa de juçara diz que ela é praticamente idêntica ao famoso "açaí na tigela".

Em Santa Catarina, onde o produto foi "inventado" a partir de um projeto de pesquisa, o "açaí de juçara" já é comercializado há vários anos, como se fosse açaí da Amazônia. "É tão parecido que não dá para distinguir um do outro", diz o biólogo Ademir Reis, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que pesquisou a espécie por mais de 20 anos.
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