Expedição científica em floresta do Pará verifica degradação e identifica espécies ameaçadas

WWF - 16/01/2008
A travessia na balsa do rio Tapajós marcou o fim da expedição científica na Terra do Meio, que revelou ações predatórias e criminosas na região e identificou espécies ameaçadas. Foram 21 dias de pesquisas na Floresta Nacional (Flona) de Altamira, unidade de conservação federal com 712 mil hectares que integra o Distrito Florestal da BR-163, rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA) e é um dos maiores eixos de desmatamento na Amazônia.

Composta por 15 pesquisadores e 24 integrantes do 53o Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) do Exército Brasileiro, a expedição científica, realizada entre os dias 19 de novembro e 08 de dezembro, foi uma parceria entre o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e WWF-Brasil.

O objetivo da iniciativa foi realizar o levantamento de dados para a Avaliação Ecológica Rápida (AER). A avaliação ecológica rápida é uma metodologia de inventariamento que busca, através de organismos bio-indicadores, a caracterização de aspectos ecológicos, tais como riqueza, abundância, diversidade de espécies, em curto espaço de tempo. Os grupos escolhidos como bio-indicadores no estudo do mosaico de unidades de conservação da Terra do Meio foram anfíbios, répteis, aves, mamíferos, peixes e flora.

Esse estudo é o primeiro passo para a construção do plano de manejo da Flona de Altamira, criada em 1998. "O plano de manejo é um retrato da área e apontará caminhos para a gestão e a sustentabilidade dessa unidade de conservação. Até o final de janeiro, teremos um relatório técnico sobre o que foi observado e coletado na região", afirma Roberto Antonelli Filho, consultor de técnicas para Avaliação Ecológica Rápida do WWF-Brasil e coordenador científico da expedição.

A partir da cidade de Itaituba (PA), a equipe da expedição seguiu para a Flona por duas estradas que marcaram a história da Amazônia - a Transamazônica (BR-230) e a Cuiabá-Santarém (BR-163) -, passando também pelo Parque Nacional do Jamanxim. No quilômetro trinta da BR-230, uma placa meio apagada sinalizava que ali era o encontro da Transamazônica com a Cuiabá Santarém. Foram cerca de quinze horas para vencer os trechos sem asfalto das duas estradas entre Itaituba e a Floresta Nacional.

Degradação
Problemas ambientais e sociais foram percebidos durante toda expedição. Os pesquisadores encontraram coletores de cipó em situação de trabalho análogo à escravidão, pecuária como base para a invasão de terras públicas, extração de madeira e garimpo ilegais. Estradas e ramais para a retirada de madeira cortavam toda a porção Sul da Flona.

A degradação deixou a equipe botânica apreensiva sobre as condições da mata na região. "A exploração de madeira parece estar acontecendo há mais de dez anos. A floresta nessa região está muito degradada", afirmou Antônio Sérgio Lima da Silva,e pesquisador do Museu Emílio Goeldi. Além da presença de madeireiros, algumas fazendas indicavam o começo de uma ocupação irregular dentro da unidade de conservação.

Um garimpo de cassiterita abandonado também foi encontrado durante a expedição. A atividade deixou uma cratera de mais de um quilômetro de comprimento na floresta. "Impressionante a rapidez com a qual os garimpeiros se instalaram. Nos primeiros sobrevôos que fizemos, em março de 2007, não existia essa atividade na região", diz Antonelli. Os garimpeiros foram notificados pela chefe da Flona, Naiana Menezes, na semana anterior à chegada dos pesquisadores e só deixaram a região após a intervenção do exército.

Espécies ameaçadas de extinção

Apesar da degradação, o entorno do garimpo abrigava uma porção ainda relativamente preservada de floresta densa, cujo dossel ("teto" da floresta) tem até 25m, com algumas árvores se destacando na mata ao alcançar até 40m de altura. Uma onça-suçuarana (Puma concolor) surpreendeu os pesquisadores. Especialista em mamíferos, Frederico Genésio Lemos, avistou e conseguiu registrar o animal. "Estávamos caminhando na estrada para entrar na trilha da floresta, quando algo pulou na frente da gente. Era uma onça-parda. Consegui fotografar, mas ela logo se assustou e voltou para o mato", diz Frederico Lemos, pesquisador de mastofauna.

Além da onça, a expedição conseguiu registrar espécies ameaçadas de extinção, como um grupo de ararajubas (Guaruba guarouba). Cerca de seis espécies diferentes de macacos também foram encontradas, como o sauá (Callicebus moloch) e um mico-branco (Callithrix cf. chrysoleuca).

Uma Amazônia sem água foi outra surpresa para os integrantes da expedição. A região estava no auge da estiagem e grande parte dos cursos de água que formam as cabeceiras dos igarapés da Flona estava seco. O período de inverno, como é conhecida a estação de chuvas mais intensas na Amazônia, parecia aparentemente atrasado.

A falta de água dificultou o dia-dia nos acampamentos. Durante a primeira semana foi preciso que um caminhão-pipa fizesse o abastecimento. A água foi transportada de Morais de Almeida, distrito de Itaituba, o povoado mais próximo da Flona. "Foi uma experiência inédita. Nunca havia enfrentado a seca dentro de uma unidade de conservação na Amazônia", afirma Marisete Catapan, coordenadora da expedição pelo WWF-Brasil.

Igarapés secos deixaram em alerta os especialistas em anfíbios. "Foi um ponto negativo, pois cursos d’água são sítios de reprodução de muitos bichos. A seca seria um fator determinante para podermos prever que não encontraríamos alguns animais que dependem de ambientes mais úmidos", afirmou Crisalda de Jesus Lima, pesquisadora de répteis e anfíbios do Museu Emílio Goeldi. Apesar das primeiras semanas sem chuva, a equipe de herpetologia conseguiu registrar no terceiro acampamento espécies importantes, como o sapo arlequim da Amazônia (Atelopus spumarius). "Foi uma boa surpresa e um ótimo indicador de área preservada", afirmou Lima.

Infra-Estrutura

A parceria com o Exército foi fundamental para a segurança e agilidade nos trabalhos. Eles foram responsáveis pela logística e transporte dentro da Flona. A infra-estrutura montada pelo Exército nos acampamentos surpreendeu a todos. Banheiros, chuveiros e camas foram pequenos luxos que amenizaram as dificuldades do dia-a-dia na mata amazônica e ajudaram no bom rendimento das pesquisas.

Um dos serviços fundamentais do Exército foi a abertura de trilhas. Esses caminhos na floresta, definidos previamente pela coordenação científica da expedição, liderada por Roberto Antonelli Filho, foram a base de grande parte das pesquisas de campo. Os conhecimentos da equipe de infantaria de selva do 53o BIS também ajudaram os biólogos a encontrarem rastro de animais e tocas.

Ao final da terceira semana, uma reunião técnica na sede do 53o Bis, em Itaituba, comemorou o sucesso das pesquisas. O material recolhido durante a expedição irá integrar as coleções do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Marcas na história

Abertas nas décadas de 60 e 70 pelo governo, as rodovias Transamazônica (BR-230) e a Cuiabá-Santarém (BR-163) cortaram grandes trechos de floresta intocada. A idéia era atrair colonos à região Norte do país. Foi o auge da política de levar "homens sem terra, para uma terra sem homens", que culminou no deslocamento de grandes massas de migrantes do Sul e Nordeste para a Amazônia. Desmatamento e o agravamento de conflitos sociais foram alguns dos desdobramentos negativos do projeto. Essas conseqüências fizeram com que o Governo Federal adiasse durante décadas o asfaltamento completo dessas rodovias.

Em 2004, um plano sustentável para a pavimentação da BR-163, proposto por integrantes da sociedade civil e Ministério do Meio Ambiente, foi o propulsor para a criação de oito Florestas Nacionais na região. A esperança é que essas unidades de conservação promovam o uso sustentável da floresta e contenham o desmatamento ilegal. Os estudos feitos pela expedição na Flona de Altamira vão dar suporte a essa possível mudança de futuro para a Amazônia.
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