Degradação da Cantareira

OESP, Notas e Informações, p. A3 - 18/03/2008
Degradação da Cantareira

A Serra da Cantareira, uma das maiores florestas urbanas do mundo, reconhecida pela Unesco como Reserva da Biosfera, perdeu, nos últimos três anos, 1,4 milhão de metros quadrados de área verde, o que pode comprometer seriamente mais de cem mananciais que integram o sistema de abastecimento de água mais importante de São Paulo. O Sistema Cantareira fornece água a 9 milhões de habitantes - 53% da população da capital, além de moradores de dez cidades da Grande São Paulo.

A degradação da região, iniciada há décadas com a ação de favelados e loteadores clandestinos, cresceu nos últimos anos com a pressão do mercado imobiliário, que usa a paisagem como apelo de venda para empreendimentos destinados às classes média e alta. Agora, além de condomínios residenciais, há construções de todo tipo no entorno do Parque Estadual da Cantareira, com o aval de autoridades que deveriam preservar a qualquer custo essa região.

A moderna legislação ambiental não impede que a degradação avance. Antes a devastação era acobertada apenas por políticos que estimulavam a multiplicação dos loteamentos clandestinos para, depois, trocar promessas de anistia e regularização da propriedade por votos. Nos anos 90 a Serra da Cantareira foi invadida por 143 loteamentos clandestinos. Somente em 1997 esse tipo de agressão à serra causou a derrubada de 1 milhão de árvores, segundo levantamento da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente - um processo de degradação idêntico ao que atingiu as Represas Billings e Guarapiranga na década de 70.

Entre 2004 e 2007, no entanto, 865 alvarás de construção no entorno do Parque da Cantareira foram expedidos pela Prefeitura de São Paulo e de outros municípios vizinhos. Surgiram, assim, condomínios de casas de médio e alto padrões, estabelecimentos comerciais e outros empreendimentos. O poder público libera a construção e, em troca, impõe compensações a quem derruba milhares de metros quadrados de área verde. É rara, no entanto, a fiscalização do cumprimento dos acordos.

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente, por exemplo, apoiada em pareceres favoráveis da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), forneceu as licenças necessárias para a construção de um 'castelo' erguido numa clareira de 12 mil m2 para abrigar um dos templos do grupo católico Arautos do Evangelho. Em contrapartida, os religiosos teriam de averbar 20 hectares de terra e plantar 32.191 árvores de espécies nativas. O grupo, que constrói mais dois palácios em plena Serra da Cantareira, replantou apenas 2.722 mudas.

As autoridades deveriam ter analisado os impactos que o funcionamento das construções trará para a região. Os religiosos planejam reunir 20 mil jovens em encontros de fim de semana em seus prédios, o que exigirá estradas e estimulará a instalação de fornecedores dispostos a explorar negócios que tal concentração demanda.

O assoreamento dos rios, a contaminação das águas, a perda da capacidade de armazenamento das represas, os riscos ampliados de enchentes e ameaças a espécies animais são alguns dos prejuízos provocados por loteamentos desse tipo.

Antes das ocupações se alastrarem na década de 90, a água captada na Represa Paiva Castro, uma das que compõem o Complexo Cantareira, era limpa e seu tratamento custava sete vezes menos do que o dispensado para a água dos mananciais da zona sul. Recente estudo do Instituto Socioambiental (ISA) mostra que hoje 73% das áreas de preservação do Sistema Cantareira foram degradadas por algum tipo de atividade humana.

Diante da gravidade da degradação ambiental na região da Cantareira, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas elabora um plano de desenvolvimento e proteção ambiental, que começa com um diagnóstico da devastação, segue com o monitoramento da qualidade da água do Complexo Cantareira para, finalmente, propor leis específicas para a região.

Se devidamente cumprida, a legislação em vigor teria sido suficiente para proteger a Serra da Cantareira e seus mananciais. Novas normas não são necessárias. O necessário é que as autoridades cumpram o seu dever de preservar o meio ambiente.

OESP, 18/03/2008, Notas e Informações, p. A3
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