Ameaças ao verde

O Globo, Ciência, p. 16 - 23/09/2008
Ameaças ao verde
Uma lei e um projeto põem em risco os parques da Tijuca e do Mendanha

Cláudio Motta, Isabela Bastos e Selma Schmidt

O verde do Rio está em perigo. Um projeto de lei complementar do Executivo que cria uma nova legislação urbanística para o Itanhangá deverá ser votado amanhã pela Câmara de Vereadores. Ele permite, inclusive, a ocupação da encosta acima da chamada cota cem (cem metros acima do nível do mar) por pequenos condomínios de casas, de até dois andares, nas imediações do Parque Nacional da Tijuca, conforme informou ontem a coluna Gente Boa, do GLOBO. Na semana passada, já houve outro golpe em área de mata: o prefeito sancionou lei declarando o Parque Ecológico do Mendanha como área de especial interesse social.

A medida facilita a regularização urbanística e fundiária no parque municipal e, de acordo com ambientalistas e cientistas, coloca em risco a preservação do lugar.

A proposta do Itanhangá foi encaminhada ao Legislativo em julho de 2007. Depois de o projeto hibernar por mais de um ano, no dia 13 passado as nove comissões da Câmara deram pareceres favoráveis. O sistema de processamento legislativo, que pode ser acompanhado pela internet, deixa claro que o projeto 45/2007 é acompanhado da mensagem 113, assinada por Cesar Maia. Apesar disso, ele nega a autoria: - Que eu saiba, essa iniciativa é de vereador e dos moradores da área - disse Cesar.

O projeto institui a Área de Especial Interesse Urbanístico do Itanhangá, onde estão localizadas 11 favelas e dezenas de loteamentos irregulares de classe média. Ele prevê modificações urbanísticas num trecho delimitado ao sul pela Lagoa da Tijuca, ao norte pelo parque, a leste pela Pedra da Gávea e a oeste pela favela de Rio das Pedras. A gerente regional de Planos Locais da Secretaria de Urbanismo, Priscila Sholl, alega que o Parque Nacional da Tijuca está fora da abrangência do projeto. Mas o chefe em exercício da unidade, Bernardo Issa, discorda: - O projeto fere três leis federais, uma vez que prevê modificações em áreas que pertencem ao parque, como o pé da Pedra da Gávea, onde a restrição de uso é total. Além disso, uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente diz que as administrações das unidades de conservação têm que ser ouvidas quando se quer instituir uma atividade no entorno de dez quilômetros dos parques que possa afetar a flora e fauna. E nós não fomos ouvidos.

A grande polêmica do projeto é em relação às duas zonas de conservação ambiental -- entre as cotas 100 e 150, e a partir da cota 150. Segundo Priscila, a atual legislação (decretos 322/76 e 8.321/88) limita a construção de imóvel (casa, clínica, orfanato e outros) por lote de dez mil metros quadrados. Pelo projeto, diz ela, no lote podem ser erguidos grupamentos de imóveis, mantendo de 70% a 90% do terreno intocados: -- Criamos a taxa de permeabilidade, área que tem de ser de terra nua ou gramado.

Para vereador, projeto contém expansões Para ser aprovado, o projeto precisa de 26 votos em duas votações. O líder do governo, Paulo Cerri (DEM), parte em defesa da proposta, alegando que ela foi discutida e é uma reivindicação dos moradores do Itanhangá.

- Ele visa a regularizar o que existe e a conter eventuais expansões - argumenta.
Membro da comissão de moradores do Itanhangá que defende a mudança da legislação, Sebastião Laércio Machado afirma que mesmo as áreas de mata já têm invasões: - Se as comunidades se expandem, por que não permitir que as pessoas construam por um processo legal? A proposta prevê ainda a construção de uma via expressa ligando a Estrada da Barra da Tijuca à Estrada do Itanhangá, passando ao sul do Itanhangá Golf Club e nas proximidades da Ilha dos Pescadores. Para as áreas fora de encostas, há alterações no tamanho do lote mínimo, no gabarito e no uso.

Já a lei do vereador Jorge Felippe (PMDB) estabelece que caberá à prefeitura determinar o tamanho padrão dos lotes para a regularização de ocupações no Mendanha. Importante remanescente de 1.450 hectares de Mata Atlântica, o parque fica entre Bangu e Campo Grande. Procurado pelo GLOBO, o vereador não foi localizado.

De acordo com o biólogo Jorge Antônio Lourenço Pontes, do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução da Uerj, a medida poderá provocar uma onda de invasões no local: - A comunidade científica está boquiaberta.

O Mendanha garante água para a região e, no local, vivem espécies em extinção. Recentemente, descobrimos uma nova espécie de sapo que ainda nem foi descrita. Essa lei é um retrocesso e pode provocar a degradação do local.

Apesar de ser vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente, a vereadora Leila do Flamengo (DEM) admitiu desconhecer a íntegra da lei. Ela demostrou preocupação com a transformação da área do parque: - O prefeito sancionou isso? Meu Deus, o parque inteiro? Amanhã vou ver isso. É preocupante.

Estou me sentido culpada, foi uma falha minha não ter visto isso com mais atenção.


Ambientalistas criticam alterações na legislação
Parecer de Conselho de Meio Ambiente é contrário a mudanças no Itanhangá

O projeto de lei complementar do Itanhangá recebeu, em junho, parecer contrário do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Consemac). Segundo o documento, a proposta descumpre as legislações ambientais federal, estadual e municipal, o que geraria questionamentos futuros. No parecer, o Consemac pede que os vereadores revisem o projeto, alertando, ainda, para a possibilidade de que sua aprovação abra precedente para ações semelhantes em outras áreas do município, "com grave perda ambiental".

Segundo o parecer, a abertura de novas vias em encostas e a ocupação das áreas com mais edificações provocariam impactos ao meio ambiente, como o corte de vegetação em área permanente de Mata Atlântica ou de reflorestamento e o comprometimento da faixa do Parque Nacional da Tijuca acima das cotas de 80 e cem metros. A analise cita também o risco de perda da biodiversidade e a possibilidade de rompimento de calhas de rios e aterro destes, bem como da Lagoa da Tijuca.

Segundo o Consemac, o projeto fere as diretrizes ambientais da Constituição Federal, que define a Mata Atlântica como patrimônio nacional; e seis leis e decretos federais, que fixam regras para áreas de conservação, entre eles um tombamento do Iphan. O projeto feriria ainda a Constituição do Estado do Rio, que diz que as coberturas florestais nativas não podem ser reduzidas. Três decretos municipais - que não permitem a abertura de logradouros entre as cotas 60 e cem e consideram áreas acima da cota cem como de reserva ambiental - também estariam sendo burlados.

Segundo o ex-superintendente do Ibama no Rio, Rogério Rocco, para aprovar o projeto na região do Itanhangá, a prefeitura precisará da anuência do Instituto Chico Mendes, que administra as unidades de conservação do país. Isso porque a proposta mexe em áreas de entorno imediato do Parque da Tijuca, como as imediações da favela de Furnas e das comunidades do Alto da Boa Vista, já nos limites do parque.

- Essas áreas fazem parte do plano de manejo do parque. O ordenamento urbanístico é necessário porque já há ocupações irregulares. O projeto, porém, aumenta a densidade de construções. Isso é estimular o desmatamento - diz Rogério Rocco.

Caso seja colocado mesmo em votação amanhã, o projeto do Itanhangá enfrentará resistências na Câmara. O vereador Eliomar Coelho (PSOL) disse ontem que prepara um substitutivo à mensagem do Executivo ou ainda uma emenda propondo a retirada do assunto da pauta de discussões:

- Acho difícil acontecer a votação porque há uma desmobilização grande dos vereadores durante as eleições. Mas se acontecer será uma imoralidade. A legislação urbanística vem sendo remendada por área. É um precedente perigoso que compromete a organização da cidade de forma criteriosa.

A lei que permite loteamentos no Parque do Mendanha também encontra opositores. O ambientalista Gil Voneick, diretor-presidente da ONG Defensores Ambientais de Gericinó, Mendanha e Tinguá (Damgemt) e membro do conselho gestor da APA Gericinó-
Mendanha, recorrerá ao Ministério Público:

- Essa lei coloca em risco o Parque do Mendanha. Por sua importância, o nível de preservação deveria ser aumentado e não flexibilizado. O poder público tem feito o contrário do que deveria.

O ambientalista Haroldo de Lemos, professor de engenharia ambiental da UFRJ, disse que áreas preservadas não deveriam ser usadas para assentamentos:
- Há muitas áreas na cidade para instalar as pessoas, mas são poucas as preservadas.

O Globo, 23/09/2008, Ciência, p. 16
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