Próxima parada: Estação Conhecimento

O Globo, Razão Social, p. 12-14 - 05/10/2010
Próxima parada: Estação Conhecimento
Vale inaugura no Pará um dos 22 núcleos de desenvolvimento

Martha Neiva Moreira
martha.moreira@oglobo.com.br
Carajás, PA*

A impressão que se tem ao chegar na Amazônia é de que estamos entrando numa terra de gigantes. A natureza exuberante se impõe e, mesmo nas cidades da região, é impossível não avistar vestígios da floresta. Para quem sai de grandes centros urbanos, o espaço e as distâncias a percorrer também parecem enormes. Mas, para a população local, meia hora a pé para ir a escola é pouco. Uma hora de caminhada para comercializar uma produção de frutas ou legumes, é tolerável. Mesmo já acostumados com a rotina de andarilhos, moradores da Área de Proteção Ambiental do Gelado, no meio da Floresta Nacional de Carajás, no Pará, não deixaram de comemorar, mês passado, o fato de terem agora um local mais próximo de casa para vender o que cultivam, aprender sobre técnicas de produção e uma escola com um ônibus para apanhar os filhos em casa.
A Vale, que retira cem milhões de toneladas de ferro por ano da Serra de Carajás, inaugurou no Gelado uma das 22 unidades da Estação Conhecimento. O projeto faz parte de uma estratégia da empresa de criar, até 2012, núcleos de desenvolvimento humano nas áreas onde opera. O objetivo é capacitar a população em diferentes atividades e fomentar o desenvolvimento econômico local. Cada uma das Estações terá uma vocação. No Gelado é a produção de leite e laticínios. Quem quiser também poderá aprender sobre técnicas agrícolas, como hidroponia, e fazer cursos de empreendedorismo em pecuária de leite, avicultura, entre outros. A primeira turma já começou e tem 40 alunos, muitos deles filhos de agricultores locais.
Há pouco mais de um mês, eles prestigiaram a inauguração da unidade da Estação do Gelado. A festa foi animada, teve um brunch regado a suco de frutas típicas e distribuição farta de picolés de açaí, cupuaçu e tapioca para aplacar o calor. Houve também apresentação de um grupo de dança e a presença de agricultores entusiasmados com o projeto, como João Martins de Lima.

João chegou no Gelado em 1990, vindo de Serra Pelada, para trabalhar em uma das cinco escolas multiseriadas da região. Professor-leigo, daqueles que não terminaram o ensino básico, ele dedicavase na época a ensinar filhos de pequenos produtores a ler, escrever e fazer as quatro operações.
Na sua turma havia crianças de 1ª a 4 séries que andavam de meia a uma hora a pé para chegar a escola. Desde que a Estação Conhecimento foi inaugurada, no entanto, a realidade da sala de aula na região mudou. O prédio é grande e reuniu as cinco escolas numa só.

- Agora os alunos são separados por série e contam com um professor apenas, que, com tranquilidade, pode passar mais informações e dar atenção a eles. As crianças também não precisam mais caminhar para chegar na escola. Tem ônibus escolar para pegá-las em casa. Assim não se cansam e conseguem ficar mais atentas - disse João Lima. - O que falta aqui é apenas uma posto médico, já que a cidade mais próxima fica muito longe.
Se alguém se machucar, não tem como sair - completou.

Fica a dica de João Lima, que esteve na festa junto com os 200 alunos da escola - agora batizada de Escola Municipal Jorge Amado - e seus familiares.

Além deles, marcaram presença representantes da prefeitura de Parauapebas e das ONGs Instituto Chico Mendes, Conservação da Biodiversidade e Associação Filhas da Terra, todos parceiros da Vale na empreitada. Os convidados vieram de ônibus fretado, já que Parauapebas fica a 50 quilômetros - ou uma hora e meia de ônibus por uma estrada que passa por dentro da Floresta Nacional de Carajás, onde a Vale opera.

Pelo caminho é possível perceber que, embora empresas de porte já estejam presentes na região, a realidade do homem amazônico ainda é precária.
De um lado da estrada, há a atividade mineradora a pleno vapor, com as máquinas gigantescas operando no meio da mata. De outro, de tempos em tempos, um casebre de madeira, com cercadinho para algumas galinhas, dois ou três porcos e meia dúzia de cabeças de gado.

Contribuir para melhorar as condições de vida de quem mora no Gelado é o objetivo da Vale com o projeto das Estações Conhecimento.

- Vamos beneficiar aqui 120 produtores. Daremos apoio para a produção e, consequentemente, melhora da renda das famílias. Eles contarão com um suporte técnico de agrônomos, veterinários, zootécnicos e também material para desenvolver atividades de pecuária de leite e agricultura - disse Silvio Vaz, diretor-presidente da Fundação Vale, no discurso de inauguração da unidade do Gelado.

Ele explicou que quem optar pela pecuária de leite, vai contar com um kit, cujo valor total chega a R$ 31 mil. São sete vacas leiteiras, curral, cerca elétrica, bebedouro, um saco de ração e sal.

- O valor será cobrado dos agricultores de uma forma bem suave. Eles devem devolver ao final de oito anos, oito bezerros. Para isso, eles contarão com fornecimento de sêmen selecionado para inseminar as vacas - completou Silvio Vaz.
Toda a produção de leite e hortaliças será comprada pela Vale. Pelo litro de leite ela pagará R$ 0,70.

Na região, o valor do litro gira em torno de R$ 0,45.

- Vamos ensacá-lo ou transformá-lo em laticínio na cooperativa de beneficiamento, que também vai gerar renda para a população local que quiser trabalhar ali. Tanto a produção de leite quanto de laticínios vão abastecer as escolas municipais de Parauapebas e as unidades da Vale, que serve 26 mil refeições dia. Também compraremos a produção de frutas e hortaliças dos produtores - disse Silvio Vaz.
Produtor no Gelado, João Vieira, 69 anos, está na expectativa de melhorar sua renda aderindo à produção de leite. Hoje ele cultiva milho, melancia e mandioca na terra que tomou posse há 23 anos, quando veio do Piauí.

- Consigo hoje mil reais com o que produzo, mas acho que posso melhorar esta renda com a pecuária. Só não sei ainda como vamos escoar essa produção, já que o transporte nesta região é difícil - disse.

Segundo Silvio Vaz, na região do Gelado haverá quatro micronúcleos de apoio da Estação, espalhados num raio de 120 quilômetros. A ideia é facilitar a entrega do leite e da produção agrícola, a assistência técnica aos produtores e evitar, justamente, as longas caminhadas com as quais estão acostumados os moradores dali.

O complexo da Estação Conhecimento foi construído num terreno de 50 mil metros quadrados. A área pertencia à Prefeitura de Parauapebas e fica numa clareira no meio da Floresta Nacional. Não passa despercebido que a arquitetura do prédio parece não ter sido influenciada pelo contexto amazônico. A construção é de cimento e madeira, com janelas pequenas que reduzem a visão da paisagem externa, e mais parece uma construção urbana, normalmente distante do pilar ambiental da sustentabilidade. A energia usada ali é elétrica, e produtores que estiveram na inauguração contaram que há ainda interrupções de fornecimento de energia. A gestão de resíduos também fica restrita à coleta seletiva.

Também chamou atenção a opção de, em plena Amazônia, incentivar a pecuária, atividade sabidamente danosa ao meio ambiente, e a agricultura hidropônica, que requer fertilizantes químicos para se desenvolver.

- A atividade de pecuária é restrita a uma determinada área por produtor. Não será possível ampliar a área de produção. Fizemos uma pesquisa antes de optarmos pela atividade que realizaríamos aqui no Gelado e a opção dos produtores foi pecuária de leite. Além disso, tanto a pecuária quanto o cultivo de hidroponia são práticas com baixo investimento e retorno financeiro rápido.
Adequada aos moradores daqui - explicou Rogério Gomes, coordenador do setor produtivo da Estação Conhecimento do Gelado.

Para Silvio Vaz, diretor-presidente da Fundação Vale, o foco da Estação Conhecimento APA do Gelado é o pilar social da sustentabilidade: - Importante é que 85 famílias daqui terão oportunidade de melhorar suas condições de vida.

Ele contou que até 2012 a Vale pretende investir R$ 250 milhões nas 22 Estações do Conhecimento que serão criadas no país. No Pará, além do Gelado foi inaugurada uma outra em Tucumã, cidade a 900 quilômetros de Belém e a 40 minutos de vôo, em um Caravan, de Carajás.
Nas ruas de terra batida de Tucumã vivem cerca de 27 mil pessoas - população do bairro carioca do Maracanã. A cidade tem uma rua principal, onde há um comércio de pequenas lojas e vendas de alimentos, uma loja de produtos variados, uma concessionária e um hotel. Nas transversais, de chão batido, como dizem por lá, há casebres de madeira. Próximo dali a Vale começa a operar, em 2011, a usina de níquel de Onça Puma, que vai gerar 4,5 mil empregos.

Desde 2008, Tucumã tem uma versão da Estação Conhecimento. A unidade oferece treinamento em atividades esportivas e cursos profissionalizantes.

Com o nome de fábrica de atletas, a Estação já tem 580 crianças e jovens treinando esportes.

Um deles é Romário da Silva Nogueira, o menino da foto de capa desta edição. Ele faz atletismo e já participou de campeonatos estaduais no Pará. Na rotina dos alunos-atletas, também há aulas teóricas sobre o esporte e anatomia.

Eles são submetidos constantemente a exames médicos e orientação nutricional. O trabalho com os alunos-atletas já rendeu frutos. Ano passado, uma equipe de dez jovens participou da São Silvestrinha, versão infanto-juvenil da corrida de São Silvestre. A equipe feminina conquistou medalhas de ouro, prata e bronze.

Além do Esporte, a Estação de Tucumã oferece cursos de qualificação profissional. Mais de 600 pessoas já concluíram a formação em áreas como construção civil, hotelaria, manipulação de alimentos, entre outros serviços que podem, segundo Silvio Vaz, diretor presidente da Fundação Vale, atender a demanda de crescimento da região por conta da instalação de Onça Puma.

Em todos os cursos os alunos têm aulas práticas e teóricas também. Entre as disciplinas do Projeto Pedagógico há Cidadania, cujo objetivo é promover uma reflexão sobre o tema. Ficou de fora, porém, educação ambiental. O documento, segundo contou a pedagoga responsável, ainda está em fase de elaboração e deve ser revisto. Melhor assim, já que Tucumã está em plena região amazônica e a Estação do Conhecimento atende crianças a partir de 6 anos, ou seja, em fase de formação.

Recentemente, o Rio de Janeiro também ganhou uma Estação Conhecimento. Funciona no Complexo Esportivo João Havelange, o Engenhão. Cerca de 600 crianças serão beneficiadas com treinamento em atividades esportivas.
* A repórter viajou a convite da Vale


Sementes viram jóias em Tucumã

Francileide de Penha, 25 anos, mora em Tucumã, Pará. Lá, nas ruas de chão batido próximas de casa, ela cresceu brincando de catar sementes no chão. Não poderia imaginar que essa brincadeira poderia, um dia, render-lhe um salário. Em 2008, porém, ela aprendeu que as tais sementinhas que catara servem também para fazer joias, ou melhor, biojoias.
Na época, Francileide foi aluna do curso de capacitação de biojoias da Estação Conhecimento de Tucumã, o primeiro núcleo de desenvolvimento inaugurado pela Vale no Pará. Hoje, ela faz parte da Cooperativa dos Beneficiadores e Artesãos de Biojoias criada ali.

- Consigo ganhar por mês R$ 570 reais - disse a jovem.
Segundo Antônia Márcia, coordenadora da cooperativa, a média de ganho entre os 42 artesãos é a mesma. Juntos, eles produzem cerca de duas mil peças. Elas são feitas de sementes de açaí, bacuri, tucumã, morototo, cupuaçu, jupati entre outros frutos da região. As sementes são comprados de um fornecedor em Manaus mas, futuramente, a ideia é adquiri-los do povo Xicrim, que mora nas imediações de Tucumã.
Parte da produção das biojoias é vendida no catálogo da Villa Jequiti, empresa do grupo Silvio Santos que tem uma rede de vendedoras. Na Estação de Tucumã também há uma pequena loja para vender a produção, mas entre os artesãos, que já estão com ideias para ampliar os pontos de venda, parece pouco:
- Enquanto produzimos tivemos a ideia de criar quiosques da cooperativa em cidades vizinhas maiores. Ainda é uma sugestão, mas ficamos animados e agora vamos estudar se é viável ou não - contou Adenilson Marcos, 31 anos, um dos artesãos.
A Cooperativa de Biojoias é o modelo de negócio local que o projeto das Estações Conhecimento pretende fomentar em todas as áreas onde inaugurar um núcleo. A do Espírito Santo, por exemplo, deve contar com uma torrefação de café.
Para Silvio Vaz, diretor-presidente da Fundação Vale, ideias como as de Adenilson são um exemplo do impacto positivo que as cooperativas podem gerar:
- Um dos objetivos da Estação é deixar um modelo estruturado de negócio para que a população possa gerir, ampliar e, quem sabe, replicar.

O Globo, 05/10/2010, Razão Social, p. 12-14
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